“Mais? Vocês querem mais?”, perguntou Elza Soares, cheia
de malícia, já no ‘bis’ que compõe o primoroso roteiro do show ‘A mulher do fim
do mundo’, em sua estreia carioca, na noite de terça-feira, dia 01 de dezembro
de 2015. Em seu trono suspenso acima de seus excelentes músicos, liderados pelo
baterista e produtor Guilherme Kastrup, no impactante cenário de Ana Turra,
Elza cantou todas as canções do ótimo álbum homônimo, de ‘Coração do mar’
(Oswald de Andrade/ José Miguel Wisnick) a ‘Comigo’ (Romulo Fróes/ Alberto
Tassirani), além de outros três números certeiros. Toda a carga dramática
eternizada no disco é realçada no show. A voz que fica por um fio, que não
alcança certas notas, ressurge potente, de algum insuspeito recôndito da
garganta/ peito malhados a ferro e fogo e dá vida à temática existencialista
que norteia tudo. A velha ginga carioca da mulata entorta melodias para, em
seguida, consertar o aparentemente errado e colocar a canção em outros trilhos
inesperados. A urgência contemporânea do espetáculo é enfatizada em números como
‘A carne’ (Seu
Jorge/ Marcelo Yuka/ Ulisses Cappelletti), em que Elza cita a morte de cinco
jovens pela PM do Rio de Janeiro: “Mais cinco negros foram mortos! Quando vamos
ter o final disso tudo?”, perguntou repetidas vezes, como num emocionante
mantra que fez a plateia a aplaudir de pé. A impressionante atualidade do
roteiro seguiu com ‘Maria da Vila Matilde’ (Douglas Germano), tema
especialmente caro aos cariocas, que veem seus atuais prefeito e governador
apoiarem a candidatura de um político acusado de agredir a ex-mulher. “Gemer só
de prazer”, sentenciou a sábia dona da noite, antes de escancarar ‘Pra fuder’
(Kiko Dinucci), o samba quase rap que somente Elza poderia cantar – outra
intérprete, só mesmo Cássia Eller (1962 – 2001). Coeso, o espetáculo não se
perde nem mesmo na exagerada participação do cantor goiano Rubi, que investe
numa apresentação cheia de maneirismos em ‘Benedita’ (Celso Sim/ Pepê Mata
Machado/ Joana Barossi/ Fernanda Diamant), bastando Elza elevar sua voz para se
sobressair. Envergando novo e belo arranjo, ‘Malandro’ (Jorge Aragão/ Jotabê)
ressurge comovente. Mas adiante, já no ‘bis’, Elza brinca perguntando se a
plateia “quer mais”, citando de forma deliciosa, ‘Vatapá’ (Dorival Caymmi) na
introdução de ‘Volta por cima’ (Paulo Vanzolini). “Dar a volta por cima, que eu
dei, quero ver quem dava”, dispara a valente diva, anunciando que o fim do
mundo pode ser o marco de um recomeço. É justamente essa lufada de esperança
que pega a todos de surpresa, quando a cantora entoa um dos mais belos sambas
da música popular brasileira, ‘Pressentimento’ (Elton Medeiros/ Hermínio Bello
de Carvalho). Pra chegar ao ponto que chegou, Elza Soares lutou, mas para a
veterana cantora hoje é sempre tempo de se ter felicidade.
“Quando eu não puder pisar mais na Avenida/ Quando as minhas pernas não puderem aguentar/ Levar meu corpo junto com meu samba/ O meu anel de bamba/ Entrego a quem mereça usar”. Ao lançar seu primeiro disco, ‘A voz do samba’, em 1975, Alcione viu os versos melancólicos de ‘Não deixe o samba morrer’ (Edson Conceição/ Aloísio Silva) ganharem o país, tornando-se o primeiro sucesso da jovem cantora. Radicada no Rio de Janeiro desde 1967, a maranhense cantava em casas noturnas que marcaram época nas noites cariocas. Nestas apresentações, seu abrangente repertório incluía diferentes gêneros da música brasileira, além de canções francesas, italianas e norte-americanas também presentes no rádio. Enquanto isso, o samba conquistava novos espaços na década de 1970. Em 1974, Clara Nunes viu sua carreira firmar-se nacionalmente com o disco ‘Alvorecer’, do sucesso de ‘Conto de areia’ (Romildo Bastos/ Toninho Nascimento). No mesmo ano, Beth Carvalho obteve seu primeiro êxito como sambista com ...
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