Agnaldo Timóteo
lançou o disco ‘Galeria do amor’ em 1975. Em pleno regime militar, o ídolo
popular, conhecido por sua voz grandiloquente e seu temperamento explosivo, ousou
ao compor e cantar a balada sobre “um lugar de emoções diferentes/ Onde a gente
que é gente/ Se entende/ Onde pode se amar livremente”. A canção, que se
tornaria um sucesso nacional, foi inspirada na famosa Galeria Alaska, antigo
ponto de encontro dos homossexuais na Zona Sul carioca – o que passaria
despercebido por boa parte de seu público conservador.
O mineiro de
Caratinga já havia suscitado a temática gay no disco ‘Obrigado, querida’, de
1967. A romântica ‘Meu grito’, feita por Roberto Carlos para a sua futura
mulher, Nice, ganhou outras conotações na voz poderosa de Timóteo. “Ai que
vontade de gritar seu nome, bem alto no infinito (...), só falo bem baixinho e
não conto pra ninguém/ pra ninguém saber seu nome, eu grito só ‘meu bem'”, canta
Agnaldo, que nunca assumiria sua suposta homossexualidade.
Em
1974, ele cantou seu ‘Amor proibido’ (Dora Lopes/ Clayton). “Amor proibido/ à
minha maneira/ é autenticidade/ vou ficar contra o mundo/ e não posso
fugir desse amor que é verdade”. Contudo, foi com ‘Galeria do Amor’, sua
estreia como compositor, que Timóteo se atreveu e confidenciou, ainda que não
abertamente, o que não podia mais guardar.
O repertório do
álbum percorre experiências marcadas pela solidão e pelo desejo. Em ‘Antes e
depois do amor’ (Mita), o amanhecer é feliz. ‘É meu amor e nada mais importa/
Eu quero viver’, celebra Timóteo, antes de ver seu ‘amor saindo pela porta’. As
faixas falam de prazer, companhia e, em meio a tudo isso, o anseio por algo que
talvez se chame amor.
No auge vocal, Agnaldo
Timóteo interpreta de forma arrebatada o tango argentino ‘Junto (Uno)’ (versão
de Geraldo Figueiredo). Versões de sucessos internacionais, aliás, sempre foram
recorrentes em sua discografia, desde ‘A casa do sol nascente’ (‘The House of
the Rising Sun’, do grupo inglês The Animals), de 1965. Em ‘Galeria do amor’, ainda
aparecem ‘Amor de mentira e de verdade (Amore Sbagliato)’, do grupo italiano
Ricchi e Poveri e ‘Eu te dei meu coração (Take my Heart)’, do cantor francês
Jacky James. Há também ‘A noiva (La noiva)’, gravada pelo chileno Antonio
Pietro, e ‘Eu vou dividir (Lo voy dividir)’, lançada pela cubana Lissette.
Surpreendentemente,
Nelson Motta aparece no álbum ao lado de Guto Graça Mello, assinando a
tristonha ‘Enigma de uma vida’. “Eu só queria ter alguém que me aceitasse/ Desse
meu jeito que é meu jeito que sou eu/ E que aceitasse sem perguntas sem
mentiras/ O amor imenso que tenho no coração”, deseja, Agnaldo. A falta de
alguém também é o mote de ‘A solidão me apavora’ (Eliane dos Santos/ Wagner
Montanheiro).
Benito Di Paula, outro
cantor e compositor de sucesso na década de 1970, debuta na discografia de Agnaldo
Timóteo com “Quero ser seu amigo”. Novamente, há ambiguidade no ar: “É melhor,
hoje eu sei que é melhor/ Ser amigos que amantes/ E você deve compreender/ Pois
sofremos bastante”, ele canta. Nem tudo é desencanto; havia certo otimismo em ‘Nós
precisamos sorrir’ (Lucinha) que aposta no reencontro e na felicidade. Mas o
disco se encerra de forma tristonha com ‘Preciso tanto de você’ (Eliane/ Ivo
dos Santos): “Eu vi morrer a alegria/ No instante em que perdi você”.
Além da cinquentenária
‘Galeria do amor’, outras duas composições de temática gay assinadas por
Timóteo também batizaram seus discos: ‘Perdido na noite’ (1976) e ‘Eu, pecador’
(1977), que também conquistaram o gosto popular. Intenso e, por vezes,
controverso, Agnaldo Timóteo deu voz a solitários corações brasileiros de todos
os gêneros.
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