Pular para o conteúdo principal

As novas mulheres de Péricles Cavalcanti



Concebido pelo DJ Zé Pedro, o CD ‘Mulheres de Péricles’, lançado este mês pela gravadora Joia Moderna, reúne 17 cantoras em 15 composições do artista carioca lançado por Gal Costa no disco ‘Temporada de verão’ (1974), com ‘Quem nasceu?’. A canção volta agora na voz de Laura Lavieri, que se sai bem longe do universo lúdico característico da obra de Marcelo Jeneci. Coprodutora da faixa, ao lado de Marcelo Callado, Nina Becker imprime delicadeza em ‘O céu e o som’, também lançada por Gal em 1974, no disco ‘Cantar’.  Do álbum ‘Caras e bocas’ (1977) vem o reggae ‘Clariô’, que ganha boa versão das cantoras Marietta Vidal e Miarah Rocha, embora a faixa produzida por Bruno Buarque e MAU não chegue perto da vivaz gravação da baiana, sobretudo do registro lançado em compacto duplo, que trazia também ‘Negro amor’. A versão em português assinada por Péricles e Caetano Veloso para It's All Over Now, Baby Blue (Bob Dylan, 1965) é defendida por Karina Buhr, que acertadamente passa longe dos tons perpetuados pela diva.
As sereias Céu e Tulipa Ruiz são responsáveis por grandes momentos de ‘Mulheres de Péricles’. Enquanto a primeira acaricia a letra de ‘Blues’, lançada por Caetano Veloso no disco ‘Outras palavras’ (1981), a segunda encarna Calipso em ‘Porto alegre’, rivalizando com a ótima gravação feita por Adriana Calcanhotto no CD ‘Maré’ (2008). O que falta para os radialistas se entregarem de vez aos encantos de Tulipa?
A voz de contralto de Ava Rocha e a intensidade do arranjo assinado por Felipe Rodarte em ‘Musical’ contrastam com o romantismo de Tiê em ‘Medo de amar nº 3’ – despido da pegada roqueira dada por Calcanhotto no CD ‘Público’ (2000). Barbara Eugênia soa apenas correta em ‘Ode primitiva’, enquanto Iara Rennó não chega a empolgar em ‘Nossa Bagdá’, ao optar por uma interpretação quase infantilizada. Mas nada é pior do que a dispensável versão de ‘Elegia’ (Péricles Cavalcanti e Augusto de Campos a partir de poema de John Donne, 1979) feita por Mallu Magalhães.  Eternizada por Caetano (1979), a bela canção conheceu melhores dias na voz de Simone em (1995), longe da afetação da jovem artista. Pequenos deslizes  que não chegam a comprometer (muito) a inesperada unidade musical do projeto produzido por Nina Cavalcanti, que deu total liberdade às cantoras e arranjadores de cada faixa como, aliás, é comum acontecer nos tributos realizados pela Joia Moderna. Do experimentalismo vocal de Anelis Assumpção e Serena Assumpção em ‘Eva e eu’ (Péricles Cavalcanti/ Arnaldo Antunes), ao estilo mpbista de Juliana Khel em ‘Será o amor’, o álbum ainda abriga o canto globalizado de Blubel em ‘Bossa nova’ e a adequada interpretação alegórica de Juliana Perdigão, em ‘Canto maneiro’. ‘Mulheres de Péricles’ ratifica o poder feminino na obra do compositor por ora “redescoberto” por novas sereias.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A voz do samba - O primeiro disco de Alcione

  “Quando eu não puder pisar mais na Avenida/ Quando as minhas pernas não puderem aguentar/ Levar meu corpo junto com meu samba/ O meu anel de bamba/ Entrego a quem mereça usar”. Ao lançar seu primeiro disco, ‘A voz do samba’, em 1975, Alcione viu os versos melancólicos de ‘Não deixe o samba morrer’ (Edson Conceição/ Aloísio Silva) ganharem o país, tornando-se o primeiro sucesso da jovem cantora. Radicada no Rio de Janeiro desde 1967, a maranhense cantava em casas noturnas que marcaram época nas noites cariocas. Nestas apresentações, seu abrangente repertório incluía diferentes gêneros da música brasileira, além de canções francesas, italianas e norte-americanas também presentes no rádio. Enquanto isso, o samba conquistava novos espaços na década de 1970. Em 1974, Clara Nunes viu sua carreira firmar-se nacionalmente com o disco ‘Alvorecer’, do sucesso de ‘Conto de areia’ (Romildo Bastos/ Toninho Nascimento). No mesmo ano, Beth Carvalho obteve seu primeiro êxito como sambista com ‘1...

Galeria do Amor 50 anos – Timóteo fora do armário (ou quase)

  Agnaldo Timóteo lançou o disco ‘Galeria do amor’ em 1975. Em pleno regime militar, o ídolo popular, conhecido por sua voz grandiloquente e seu temperamento explosivo, ousou ao compor e cantar a balada sobre “um lugar de emoções diferentes/ Onde a gente que é gente/ Se entende/ Onde pode se amar livremente”. A canção, que se tornaria um sucesso nacional, foi inspirada na famosa Galeria Alaska, antigo ponto de encontro dos homossexuais na Zona Sul carioca – o que passaria despercebido por boa parte de seu público conservador. O mineiro de Caratinga já havia suscitado a temática gay no disco ‘Obrigado, querida’, de 1967. A romântica ‘Meu grito’, feita por Roberto Carlos para a sua futura mulher, Nice, ganhou outras conotações na voz poderosa de Timóteo. “Ai que vontade de gritar seu nome, bem alto no infinito (...), só falo bem baixinho e não conto pra ninguém/ pra ninguém saber seu nome, eu grito só ‘meu bem'”, canta Agnaldo, que nunca assumiria sua suposta homossexualidade. ...

Joias musicais de Gilberto Gil são reeditadas

               A Universal Music reabre seu baú de preciosidades. Desta vez, a dona do maior acervo musical do país, traz duas joias do cantor, compositor e violonista Gilberto Passos Gil Moreira, recentemente eleito imortal pela Academia Brasileira de Letras. De 1971, o disco londrino, ‘Gilberto Gil’, reaparece em nova edição em vinil, enquanto ‘Refestança’, registro do histórico encontro de Gil e Rita Lee, de 1977, finalmente ganha versão digital.             Gravado durante o exílio do artista baiano em Londres, o quarto LP de estúdio de Gilberto Gil foi produzido por Ralph Mace para o selo Famous e editado no Brasil pela Philips, atual Universal Music. O produtor inglês também trabalhava com Caetano Veloso, que havia lançado seu primeiro disco de exílio no mesmo ano. Contrastando com a melancolia expressada por Caetano, Gil fez um álbum mais equilibrado, dosando as saudades do Brasil...