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Dona Ivone Lara tem sua bela trajetória contada em bom livro

Parte integrante do ‘Sambabook’ dedicado à artista, o livro ‘Dona Ivone Lara - A Primeira-dama do samba’, escrito pelo jornalista Lucas Nóbile, segue na cadência bonita das composições da grande sambista carioca. Lucas esmiúça a criação de cada um dos doze discos lançados por Dona Ivone, ao longo de 41 anos de carreira, contados a partir da gravação de ‘Tiê’ no disco coletivo ‘Quem samba, fica? Fica’, em 1974. Foi a partir da gravação do LP produzido por Oswaldo Sargentelli, que Yvonne Lara da Costa, aos 48 anos de idade, viu seu nome ser encurtado e precedido (contra a sua vontade) pelo substantivo de cunho senhorial. O livro também refaz sua trajetória de vida, que começou no dia 13 de abril de 1922, e não um ano antes, como consta na maioria das publicações sobre a artista, inclusive em seu site oficial. O acréscimo de um ano, feito por sua mãe, possibilitou-lhe o ingresso no colégio interno. Foi no Colégio Municipal Orsina da Fonseca, no bairro da Tijuca, que a jovem estudou canto orfeônico com as professoras Lucília Villa-Lobos, mulher do famoso maestro Heitor Villa-Lobos, e Zaíra Oliveira, primeira esposa de Donga, um dos criadores do pioneiro ‘Pelo telefone’. A música erudita e o samba formaram a base para as criações dessa genial compositora, autora de ‘Os cinco bailes da história do Rio’, samba de enredo da Escola de Samba Império Serrano de 1965, ao lado de Bacalhau e Silas de Oliveira. A morte do lendário sambista, considerado o maior compositor de sambas de enredo de todos os tempos, que proporcionou o encontro entre Dona Ivone e seu principal parceiro, Délcio Carvalho, rende relato emocionante. Cinquenta anos depois de ‘Os cinco bailes da história do Rio’, ainda é rara a presença de mulheres na machista roda de compositores de samba. À figura feminina continua sendo reservado o posto de pastora. O casamento com Oscar Costa, filho de Alfredo Costa, presidente da Escola de Samba Prazer da Serrinha, a criação do Império Serrano, o envolvimento de Dona Ivone com as duas agremiações e a carreira artística iniciada à vera a partir da sua aposentadoria como assistente social, na década de 1970, são contadas em detalhes no livro. Analisando cada disco lançado por Dona Ivone com isenção crítica, Lucas Nóbile traz à luz joias do valioso baú da bela senhora, parcialmente esquecidas pelo descaso da indústria fonográfica, que não conseguiu fazer de Dona Ivone uma grande vendedora de discos. Assim, seus primeiros lançamentos, ‘Samba minha verdade, samba minha raiz’ (1978), ‘Sorriso de criança’ (1979) e ‘Ivone Lara’ (1985) nunca chegaram à mídia em formato de Compact Disc. Que os serviços de streaming, tão em voga atualmente, nos possibilitem esse prazer, como o que se tem com a leitura de ‘Dona Ivone Lara - A Primeira-dama do samba’. 

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