Pular para o conteúdo principal

Zeca Pagodinho mantém o samba em seu quintal

 
‘Ser humano’, novo álbum de Zeca Pagodinho, mantém o padrão de qualidade habitual na obra do sambista. Novamente sob a batuta do produtor e maestro Rildo Hora, Zeca se cercou de compositores assíduos em seus discos, como Nelson Rufino, Zé Roberto, Barbeirinho do Jacarezinho e Monarco. A impecável cozinha rítmica é formada por Paulão 7 Cordas (violão), Mauro Diniz (cavaco), Dirceu Leite (sopros), Henrique Cazes (cavaquinho), Alfredo Galhões (piano), Marcos Esguleba (pandeiro, caixa, tamborim), Bira Presidente (pandeiro), Ubirany (caixinha, repique de mão), Beloba (pandeiro, caixa, tantã, tamborim), Gordinho (surdo) e Trambique (repique de anel, caixa, tamborim), entre outros músicos igualmente brilhantes. O repertório segue a receita que fez de Pagodinho um ídolo nacional a partir de sua estreia na gravadora Universal Music, em 1995, com o renovador ‘Samba pras moças’. O sambista boa praça, que não esquece suas origens, é a inspiração da faixa-título composta por Claudemir, Marquinho Índio e Mário Cleide. Ele também está presente em ‘Tempo de menino’, nostálgico samba assinado pelo sobrinho de Zeca, Juninho Thybau (em parceria com Kiki Marcellos), que participa da faixa. Cordas excessivas quase comprometem ‘Amor pela metade’ (Dunga/ Gabrielzinho do Irajá), bom samba calangueado que abre o CD. O dolente ‘Mangas e panos’ (Nelson Rufino) nos remete a sucessos como ‘Seu balancê’ e ‘Uma prova de amor’, se destacando mais do que a pálida ‘A Monalisa’ (Zé Roberto/ Adilson Bispo), que traz a guitarra de Pepeu Gomes, em supérflua participação. Parece que a obra-prima do mestre renascentista Leonardo Da Vinci não consegue inspirar boas composições em terras tupiniquins... Samba buliçoso, ‘Etc. e tal’ (Fred Camacho/ Marcelinho Moreira/ Dudu Nobre) é bom momento de ‘Ser humano’, que cresce (mais) nas faixas seguintes. Com a tradicional participação da Velha Guarda da Portela, Zeca Pagodinho canta ‘Perdão, palavra bendita’ (Monarco/ Mauro Diniz), samba de terreiro cujo tema merecia estar em voga nestes dias de tanta intolerância. A turma da Portela permanece no irresistível ‘Samba na cozinha’ (Serginho Meriti/ Serginho Madureira/ Claudinho Guimarães), que atualiza o ancestral ‘Batuque na cozinha’, de João da Baiana (1887 – 1974). Esse é para constar na lista de músicas para churrasco e afins. ‘Mané, rala peito’ (Marcos Diniz/ Barbeirinho do Jacarezinho/ Luiz Grande) é o ‘Vacilão’ da vez, e traz a participação do humorista Pedro Bismark, na pele de seu personagem Nerson da Capitinga. Dispensável. ‘Só amanhã’ (Brasil/ Gilson Bernini/ Xande de Pilares) apresenta o estilo característico do ex-vocalista (e principal compositor) do Grupo Revelação: a temática amorosa retratada sem sutilezas, numa melodia acelerada. O melhor da faixa é o violão de Paulo 7 Cordas. ‘Foi embora’ (Zeca Pagodinho/ Arlindo Cruz/ Sombrinha) evidencia a qualidade de seus compositores, sem apelar para invencionices e/ ou pretensas modernidades que empanaram o recente disco de Arlindo Cruz. O trio de autores deveria se reunir mais vezes. A insólita parceria de Marcos Valle e Luiz Carlos da Vila (1949 – 2008) rendeu o belo samba ‘Nas asas da paixão’, trazido à luz por Zeca, que reverencia o dom de cantar em ‘A santa garganta’ (Almir Guineto/ Adalto Magalha). A bem-humorada ‘Boca de banzé’ (Paulinho Rezende/ Efson) encerra os trabalhos: “Já que a sua onda é se meter na minha vida, amor/ Escuta aqui meu bem/ Vou comprar um gato/ Pra você cuidar das sete vidas que ele tem”. ‘Ser humano’ traz Zeca Pagodinho em casa, ou melhor, em seu espaçoso e (quase sempre) bem frequentado quintal.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A voz do samba - O primeiro disco de Alcione

  “Quando eu não puder pisar mais na Avenida/ Quando as minhas pernas não puderem aguentar/ Levar meu corpo junto com meu samba/ O meu anel de bamba/ Entrego a quem mereça usar”. Ao lançar seu primeiro disco, ‘A voz do samba’, em 1975, Alcione viu os versos melancólicos de ‘Não deixe o samba morrer’ (Edson Conceição/ Aloísio Silva) ganharem o país, tornando-se o primeiro sucesso da jovem cantora. Radicada no Rio de Janeiro desde 1967, a maranhense cantava em casas noturnas que marcaram época nas noites cariocas. Nestas apresentações, seu abrangente repertório incluía diferentes gêneros da música brasileira, além de canções francesas, italianas e norte-americanas também presentes no rádio. Enquanto isso, o samba conquistava novos espaços na década de 1970. Em 1974, Clara Nunes viu sua carreira firmar-se nacionalmente com o disco ‘Alvorecer’, do sucesso de ‘Conto de areia’ (Romildo Bastos/ Toninho Nascimento). No mesmo ano, Beth Carvalho obteve seu primeiro êxito como sambista com ‘1...

Galeria do Amor 50 anos – Timóteo fora do armário (ou quase)

  Agnaldo Timóteo lançou o disco ‘Galeria do amor’ em 1975. Em pleno regime militar, o ídolo popular, conhecido por sua voz grandiloquente e seu temperamento explosivo, ousou ao compor e cantar a balada sobre “um lugar de emoções diferentes/ Onde a gente que é gente/ Se entende/ Onde pode se amar livremente”. A canção, que se tornaria um sucesso nacional, foi inspirada na famosa Galeria Alaska, antigo ponto de encontro dos homossexuais na Zona Sul carioca – o que passaria despercebido por boa parte de seu público conservador. O mineiro de Caratinga já havia suscitado a temática gay no disco ‘Obrigado, querida’, de 1967. A romântica ‘Meu grito’, feita por Roberto Carlos para a sua futura mulher, Nice, ganhou outras conotações na voz poderosa de Timóteo. “Ai que vontade de gritar seu nome, bem alto no infinito (...), só falo bem baixinho e não conto pra ninguém/ pra ninguém saber seu nome, eu grito só ‘meu bem'”, canta Agnaldo, que nunca assumiria sua suposta homossexualidade. ...

50 anos de Claridade

Clara Nunes (1942 – 1983) viu sua carreira deslanchar na década de 1970, quando trocou os boleros e um romantismo acentuado pela cadência bonita do samba, uma mudança idealizada pelo radialista e produtor musical Adelzon Alves. Depois do sucesso do LP ‘Alvorecer’, de 1974, impulsionado pelas faixas ‘Menino deus’ (Mauro Duarte/ Paulo César Pinheiro), ‘Alvorecer’ (Délcio Carvalho/ Ivone Lara) e ‘Conto de areia’ (Romildo/ Toninho Nascimento), a cantora mineira reafirmou sua consagração popular com o álbum ‘Claridade’. Lançado em 1975, este disco vendeu 600 mil cópias, um feito excepcional para um disco de samba, para uma cantora e, sobretudo, para um disco de samba de uma cantora. Traço marcante na trajetória artística e na vida de Clara Nunes, o sincretismo religioso está presente nas faixas ‘O mar serenou’ (Candeia) e ‘A deusa dos orixás’, do pernambucano Romildo e do paraense Toninho Nascimento, os mesmos autores de ‘Conto de areia’. Eles frequentavam o célebre programa no qual Adelzon...