Pular para o conteúdo principal

Três discos fundamentais de Fafá de Belém voltam à cena




Em meados da década de 1970 uma jovem e exuberante cantora chamou a atenção do público e da crítica ao dar voz aos compositores de sua terra, o Pará. Incorporando à MPB elementos característicos da região amazônica, como os caboclos ribeirinhos, o carimbó e, claro, a floresta, a moça de voz quente começava a conquistar o país com o elogiado álbum ‘Tamba-tajá’ (1976). Um ano antes, ela já tinha despertado a curiosidade dos ouvidos mais atentos ao fazer parte da trilha sonora da novela ‘Gabriela’, da TV Globo, com a faixa ‘Filho da Bahia’ (Walter Queiroz): “Saia dessa roda/ venha descansar/ venha pro meu colo, venha namorar/ ah, moreno”, convidava, sedutora. Houve que pensasse que se tratava de uma nova cantora baiana, mas Fafá sempre foi de Belém.
Parte dessa bela história da música popular brasileira pode ser novamente apreciada com o lançamento da série ‘Três tons de... ’, da gravadora Universal Music, que traz os três discos subsequentes à estreia fonográfica de Fafá, ‘Água’ (1977), ‘Banho de cheiro’ (1978) e ‘Estrela radiante’ (1979) remasterizados. O produtor Thiago Marques Luiz acrescentou faixas-bônus no primeiro dos três CDs, ‘Emoriô (João Donato/ Gilberto Gil) e ‘Naturalmente’ (João Donato/ Caetano Veloso), retiradas de um compacto da cantora, além da versão em espanhol de ‘Foi assim’ e um curioso registro de ‘Não há dinheiro que pague’ (Renato Barros), gravado por Roberto Carlos.
‘Água’ apresenta o repertório mais coeso, com destaque para ‘Pauapixuna’, dos conterrâneos Ruy Barata e Paulo André, os autores de ‘Esse rio é minha rua’, gravada no ‘Tamba-tajá’.  A dupla paraense também assina o bolero ‘Foi assim’, sucesso presente nos shows da cantora até hoje.  Produzido por Roberto Santana, o álbum traz ainda a regravação da valsa ‘Ontem ao luar’ (Pedro Alcântara/ Catulo da Paixão Cearense) e duas composições assinadas por Milton Nascimento e Fernando Brant, ‘Raça’ e ‘Sedução’, além de uma rara parceria de Caetano Veloso e Roberto Menescal, ‘Cidade pequenina’.
‘Banho de cheiro’ começa arrebatando o ouvinte com a gravação definitiva de ‘Dentro de mim mora um anjo’ (Sueli Costa/ Cacaso).  Wagner Tiso, Chiquito, Roberto Menescal, Octavio Burnier, João Donato e Francis Hime rubricam os arranjos das 13 faixas que incluem ‘Maria Maria’ (Milton Nascimento/ Fernando Brant’), ‘Tanto’ (Beto Guedes/ Ronaldo Bastos) e ‘Se eu disser’, primeira música gravada da dupla de compositores Tunai e Sergio Natureza. Paulo André e Ruy Barata assinam ‘Carta noturna’, ‘Baiuca’s bar’ e a faixa-título, declaração de amor à cidade natal (“Lá, sou manhã, dia novo/ a canção do meu povo”).  Belém ainda é mote da bonita ‘Chegada’ (José Maria Villar): “Essa cidade eu não posso esquecer”, se derrama a ‘Moça do mar’ (Octavio Burnier/ Ivan Wrigg).
Feita para Sandra Bréa (1952 – 2000) cantar no filme ‘República dos assassinos’ (1979), do cineasta Miguel Faria Jr., ‘Sob medida’ (Chico Buarque) se tornou o maior sucesso de ‘Estrela radiante’. Gravado por Simone na mesma época, o bolero se tornou um clássico na carreira das duas intérpretes. Entre o regionalismo de ‘Estrela radiante’ (Walter Queiroz) e a sensualidade mais urbana de ‘Que me venha esse homem’ (David Tygel/ Bruna Lombardi), Fafá já demostrava sua aptidão para o romantismo que, cada vez mais, dominaria o repertório de seus discos. ‘Três tons de Fafá’ é oportuna chance de (re)descobrir o início da carreira de uma artista intensa, apaixonada, brejeira, sensual, política, religiosa, com as mais diferentes faces, como a sua música e como o povo brasileiro. Múltipla, muito além do regional, também é do Brasil e do mundo a Fafá de Belém.


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A voz do samba - O primeiro disco de Alcione

  “Quando eu não puder pisar mais na Avenida/ Quando as minhas pernas não puderem aguentar/ Levar meu corpo junto com meu samba/ O meu anel de bamba/ Entrego a quem mereça usar”. Ao lançar seu primeiro disco, ‘A voz do samba’, em 1975, Alcione viu os versos melancólicos de ‘Não deixe o samba morrer’ (Edson Conceição/ Aloísio Silva) ganharem o país, tornando-se o primeiro sucesso da jovem cantora. Radicada no Rio de Janeiro desde 1967, a maranhense cantava em casas noturnas que marcaram época nas noites cariocas. Nestas apresentações, seu abrangente repertório incluía diferentes gêneros da música brasileira, além de canções francesas, italianas e norte-americanas também presentes no rádio. Enquanto isso, o samba conquistava novos espaços na década de 1970. Em 1974, Clara Nunes viu sua carreira firmar-se nacionalmente com o disco ‘Alvorecer’, do sucesso de ‘Conto de areia’ (Romildo Bastos/ Toninho Nascimento). No mesmo ano, Beth Carvalho obteve seu primeiro êxito como sambista com ‘1...

Galeria do Amor 50 anos – Timóteo fora do armário (ou quase)

  Agnaldo Timóteo lançou o disco ‘Galeria do amor’ em 1975. Em pleno regime militar, o ídolo popular, conhecido por sua voz grandiloquente e seu temperamento explosivo, ousou ao compor e cantar a balada sobre “um lugar de emoções diferentes/ Onde a gente que é gente/ Se entende/ Onde pode se amar livremente”. A canção, que se tornaria um sucesso nacional, foi inspirada na famosa Galeria Alaska, antigo ponto de encontro dos homossexuais na Zona Sul carioca – o que passaria despercebido por boa parte de seu público conservador. O mineiro de Caratinga já havia suscitado a temática gay no disco ‘Obrigado, querida’, de 1967. A romântica ‘Meu grito’, feita por Roberto Carlos para a sua futura mulher, Nice, ganhou outras conotações na voz poderosa de Timóteo. “Ai que vontade de gritar seu nome, bem alto no infinito (...), só falo bem baixinho e não conto pra ninguém/ pra ninguém saber seu nome, eu grito só ‘meu bem'”, canta Agnaldo, que nunca assumiria sua suposta homossexualidade. ...

50 anos de Claridade

Clara Nunes (1942 – 1983) viu sua carreira deslanchar na década de 1970, quando trocou os boleros e um romantismo acentuado pela cadência bonita do samba, uma mudança idealizada pelo radialista e produtor musical Adelzon Alves. Depois do sucesso do LP ‘Alvorecer’, de 1974, impulsionado pelas faixas ‘Menino deus’ (Mauro Duarte/ Paulo César Pinheiro), ‘Alvorecer’ (Délcio Carvalho/ Ivone Lara) e ‘Conto de areia’ (Romildo/ Toninho Nascimento), a cantora mineira reafirmou sua consagração popular com o álbum ‘Claridade’. Lançado em 1975, este disco vendeu 600 mil cópias, um feito excepcional para um disco de samba, para uma cantora e, sobretudo, para um disco de samba de uma cantora. Traço marcante na trajetória artística e na vida de Clara Nunes, o sincretismo religioso está presente nas faixas ‘O mar serenou’ (Candeia) e ‘A deusa dos orixás’, do pernambucano Romildo e do paraense Toninho Nascimento, os mesmos autores de ‘Conto de areia’. Eles frequentavam o célebre programa no qual Adelzon...