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O Itamar pop de Zélia



No álbum ‘Tudo esclarecido’ (Warner Music/ Duncan Discos) Zélia Duncan canta treze composições de Itamar Assumpção (1949 – 2003), realizando um antigo desejo. Entre músicas inéditas, como ‘Zélia mãe Joana’ (Itamar Assumpção) e regravações, como ‘Cabelo duro’ (Itamar Assumpção, 2004), a cantora fluminense ressalta sua ligação com um dos principais nomes da vanguarda paulista dos anos 1980, de quem já havia registrado outras onze faixas espalhadas em sua discografia. Não há espaço para estranhezas – comumente vinculadas à obra de Itamar – no CD produzido por Kassin. O código de acesso escolhido é o pop contemporâneo e radiofônico, que por vezes ameniza o impacto da poesia marginal de Assumpção, como na faixa-título. Tal sonoridade pode ser encarada como (mais uma) homenagem da intérprete ao genioso artista que construiu sua obra ao largo do mainstream da Música Popular Brasileira, distante das paradas de sucesso, sob o estigma de 'maldito' - rótulo que ele sempre recusou. Itamar Assumpção se ressentia da falta de maior abrangência de sua música no cenário nacional. ‘Tudo esclarecido’ mantém o padrão de qualidade conquistado por Zélia ao longo de 32 anos de carreira e se aproxima de ‘Intimidade’, álbum de 1996, que trazia ‘Vou tirar você do dicionário’ (Itamar Assumpção/ Alice Ruiz), primeira incursão da cantora à seara de Itamar. O diálogo se confirma ainda nas fotos da capa do antigo disco e da contracapa do novo trabalho. Antes nua, a nuca da cantora reaparece adornada por orquídeas, flor preferida de seu compositor-fetiche.
Antigo parceiro na fase folk da discografia da artista, Christiaan Oyens (violões/ guitarra) se junta a Pedro Sá (guitarras/ violão), Marcelo Jeneci (teclados/ sanfona), Stéphane San Juan (bateria/ tímpano/ percussão) e Thiago Silva (bateria/ percussão) para dar vida aos arranjos coletivos, também assinados por Zélia (voz/ violão) e Kassin (baixos/ sintetizador). Convidados especiais, Martinho da Vila injeta manemolência característica na inédita ‘É de estarrecer’ (Itamar Assumpção/ Alice Ruiz), enquanto o inquieto Ney Matogrosso, íntimo da obra de Itamar, ajuda a realçar os contundentes versos de ‘Isso não vai ficar assim’ (Itamar Assumpção/ Alice Ruiz, 1986). Entre instantes de absoluta beleza, como a balada ‘Noite torta’ (Itamar Assumpção, 1993), faixa criada com o luxuoso auxílio do violão de Luís Felipe de Lima, e a animação forrozeira de ‘Vê se me esquece’ (Itamar Assumpção/ Alice Ruiz), pontuada pela vivaz sanfona de Jeneci, Zélia monta com desenvoltura seu amoroso mosaico, decorando a poesia desassossegada de Itamar Assumpção.

Comentários

Élida disse…
Uhuuuuuuuuuuuuu...já amo Zélia e com essa crítica....quero logo ouvir esse novo CD....beijos

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