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Sons impressionistas embalam a poesia de Lira, em 'O labirinto e o desmantelo'

 
Segundo disco solo de José Paes Lira, o Lirinha do extinto Cordel do Fogo Encantado, ‘O labirinto e o desmantelo’ mistura poesia armorial, literatura de cordel, guitarras, sintetizadores, órgãos e cravos para criar cenários psicodélicos e sons impressionistas. O romantismo de sotaque regional do artista pernambucano encontra a universalidade (quase) pop na produção musical do baterista Pupillo, coautor de seis das onze faixas do álbum, que chega à edição física via Eletrônica Viva. Distante (mas nem tanto) das viscerais interpretações dos tempos do Cordel, Lira segue pautando sua música na palavra quase declamada. Certa ambiência kitsch transpassa algumas faixas de ‘O labirinto e o desmantelo’, caso de ‘Filtre-me’ (Céu/ Lira/ Pupillo), que tem a participação especial da cantora e compositora paulista Céu. Bolero tecnopop, ‘Filtre-me’ parece ter saído de uma antiga jukebox de um poeirento bar de beira de estrada – sonoridade que parece ser perseguida por muitos artistas novatos: o brega é o novo cool. Com suas guitarras rascantes a bela faixa de abertura, ‘Desamar’ (Lira/ Guri Assis Brasil), se destaca. O uso de instrumentos musicais comumente ligados à música erudita abrilhanta faixas como ‘Por fora da terra’ (Lira/ Pupillo), com participação do pianista Vitor Araújo (órgão e cravo), e ‘O mergulho’, com seu trio de sopro formado por Luiz Serralheiro (tuba), Fernando Chipoletti (trombone) e Douglas Costa (trompa). Contudo, a melhor canção de ‘O labirinto e o desmantelo’ é a lisérgica balada romântica ‘Jabitacá’ (Lira/ Juno Barreto/ Bactéria) – ainda que a interpretação de Lira não roce, por motivos óbvios, a beleza do registro feito por Gal Costa em seu recente disco, ‘Estratosférica’. Enfim, a poesia distintiva de Lira é a senha para percorrer este interessante labirinto musical.

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