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'Espelho D'Água': a plenitude artística de Gal

Uma voz tamanha invadiu a cena do Vivo Rio na noite de sábado, dia 01 de novembro de 2014, quando Gal Costa apresentou ‘Espelho D’Água’, o elogiado recital em que revigora antigas canções e aponta um futuro próximo, interpretando a inédita canção de Marcelo e Thiago Camelo, que dá nome ao espetáculo e estará em seu esperado novo disco. Acompanhada pelo músico Guilherme Monteiro (violão/ guitarra), Gal desfia o eficiente roteiro, pensado em conjunto com o jornalista Marcus Preto, e dá continuidade à festa paz iniciada a partir de ‘Recanto’, o disco/show que revigorou seu cantar. 
Com o famoso brilho agudo musical, citado na música que significativamente abre a noite, ‘Caras e Bocas’ (Caetano Veloso/ Maria Bethânia), e os precisos graves adquiridos com o tempo, a cantora, que completa 70 anos em 2015, faz a alegria de antigos e novos fãs. Caetano Veloso permanece sendo o compositor preponderante, e novamente a musa faz jus ao seu poeta. As intensas interpretações de ‘Vaca profana’ e ‘Negro amor’, e os graciosos improvisos em ‘Tigresa’ e ‘Você não entende nada’, já valeriam o ingresso. Contudo, a plenitude artística de Gal faz cintilar joias de outros compositores, como o centenário Lupicínio Rodrigues, de quem apropriadamente relembra ‘Volta’ e ‘Um favor’, ou Jorge Ben Jor, que tem seu guerreiro ‘Tuareg’ revivido com vigor. A dupla Roberto e Erasmo Carlos também está presente, e a baiana emociona ao recriar ‘Sua estupidez’ e ‘Meu nome é Gal’, sua canção-assinatura.
Além da faixa-título, ‘Negro amor’, ‘Tigresa’ e ‘Um favor’, outra canção do disco ‘Caras e Bocas’ (1977) é revista divinamente – ‘Solitude’, versão de Augusto de Campos para o clássico do jazz norte-americano, de Duke Ellington, Eddie DeLange e Irving Mills. A interação entre Gal e Guilherme mantém a contemporaneidade sonora ouvida em ‘Recanto’ e injeta novidade até mesmo nas recorrentes ‘Dom de iludir’, ‘Meu bem, meu mal’ e ‘Folhetim’. Encerrando a noite, ‘Força estranha’ é autorretrato de uma cantora singular que, há quase cinco décadas, embevece a todos com sua voz tamanha. Que venha o novo disco!

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