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Aos 40 anos de carreira, Ney Matogrosso segue 'Atento aos Sinais'


Durante sua irretocável carreira artística, que já conta quatro décadas, Ney Matogrosso sempre soube ser antena, captando e registrando novidades, e raiz, revestindo de contemporaneidade o repertório de renomados nomes da música popular brasileira. ‘Atento aos sinais’, seu novo álbum lançado pela gravadora Som Livre, vem juntar-se a discos arejados como ‘Olhos de farol’ (1999) e ‘Inclassificáveis’ (2008), este, registro em estúdio do vitorioso show de mesmo nome. Em ‘Atento aos sinais’ Ney volta a empregar o recurso. Do roteiro de 19 músicas do excelente show (clique aqui para ler a resenha) que estreou nacionalmente em fevereiro deste ano em Juiz de Fora (MG) 14 integram o repertório gravado em estúdio. A  bela 'Astronauta lírico' (Vítor Ramil) ficou de fora.
Os calorosos arranjos do espetáculo são reproduzidos já na primeira e urgente faixa, ‘Rua da passagem’ (Trânsito), contundente parceria de Lenine e Arnaldo Antunes, lançada pelo artista pernambucano no CD ‘Na pressão’ (1999) e recriada com propriedade por Elba Ramalho no ótimo e pouco ouvido álbum ‘Raízes e antenas’ (2008). Os metais incandescentes de Everson Moraes (trombone) e de Aquiles Moraes (trompete) mantêm a pressão de ‘Incêndio’, visionária composição de Pedro Luís, de 1992, cuja letra é instantâneo das manifestações populares que tomaram o país a partir de junho deste ano. Samba enviesado de Paulinho da Viola, ‘Roendo as unhas’ conserva o tom politizado da arrebatadora sequencia inicial do show. O envolvente arranjo favorece a conhecida malemolência do cantor, acostumado a equilibrar-se entre a sedução e a ironia. Irresistível.
Reconhecido pescador de pérolas, Ney recria ‘Noite torta’, uma das mais belas composições de Itamar Assumpção (1949 – 2003), recentemente gravada por Zélia Duncan em seu CD ‘Tudo esclarecido’, dedicado à obra do compositor paulista. Ney, que participa do delicado trabalho da colega, recria a mesma ‘Isso não vai ficar assim’ (Itamar Assumpção/Alice Ruiz) em tons mais provocantes.
Novo nome da cena paulistana, Dani Black assina a bela ‘Oração’, de cujos versos vem o título do álbum. Tambor de todos os ritmos, o tempo é o mote de ‘A ilusão da casa’, bonita composição do gaúcho Vítor Ramil, que ganha contornos dramáticos. A luz do cabaré cantado por Ângela Maria reflete, flamejante, em ‘Freguês da meia-noite’ (Criolo) graças às manhas interpretativas de quem já dedicou um songbook às derramadas canções da Sapoti. Ney sabe tudo. Outro momento sensual do show, ‘Beijos de ímã’ (Jerry Espíndola/Alzira Espíndola/ Arruda) perde vigor na gravação de estúdio. São Paulo continua no mapa com ‘Pronomes’ (Beto Boing e Paulo Passos), lançada pela banda Zabomba.
‘Não consigo’ (Rafael Rocha), da banda carioca Tono ganha arranjo e canto impressionistas, contudo, ‘Samba do Blackberry (Rafael Rocha e Alberto Continentino), outra música da banda, soa mais sedutora. Ney segue apontando novidades que se ajustam coerentemente à sua discografia, como ‘Tupi fusão’ (Dinho Zampier/André Meira/Pedro Ivo Euzébio/Vitor Pirralho), tema que poderia naturalmente constar no repertório do CD ‘Vagabundo’ (2004), assim como ‘Todo mundo o tempo todo’, de Dan Nakagawa, mais um compositor paulista contemporâneo que despertou seu interesse. Assim como o show, o álbum ‘Atento aos Sinais’ já se impõe como um dos melhores trabalhos de Ney Matogrosso, artista que há 40 anos permanece na vanguarda da MPB.

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