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Em show tradicional, Chico Buarque dá as cartas


Em cartaz até o dia 12 de fevereiro com a turnê de lançamento do CD ‘Chico’, lançando em julho de 2011, Chico Buarque apresenta no palco da casa de espetáculos Vivo Rio um show acolhedor. O cenário de Hélio Eichbauer e a linda iluminação de Maneco Quinderé contribuem para a percepção do ambiente extremamente confortável. Hábil tecelão, o artista costura as dez canções do recente álbum e outros tantos clássicos, a maioria de sua autoria, no repertório de 30 números. Canções que deixaram de tocar no rádio – e outras que nunca tocaram – foram calorosamente recebidas pelo público presente na noite desta quinta-feira, 19 de janeiro de 2012.
A sensação é de topar com algum conhecido, como diz a letra de ‘Querido diário’ (Chico Buarque, 2011), daqueles que acompanhamos a vida mesmo à distância. O palco é casa e nele também estão presentes outros velhos amigos: João Rebouças (piano e teclados), Jorge Helder (baixo), Wilson das Neves (bateria), Marcelo Bernardes (sax, clarinete e flautas), Chico Batera (percussão), Bia Paes Leme (teclados e vocais) e o regente Luiz Cláudio Ramos (violão), excelentes músicos que estão na estrada com Buarque há muitos anos.
Em um único momento esse clima familiar é quebrado. É quando Chico faz citação em forma de rap a Criolo, rapper paulista que incluiu uma nova versão de ‘Cálice’ (Chico Buarque/ Gilberto Gil, 1977) em suas apresentações.  "Evoé, jovem artista/ Palmas pro refrão/ do rapper paulista" pediu, entusiasmado, sem, contudo, obter a cumplicidade do público amante da canção como gênero.
Se o ‘Velho Francisco’ (Chico Buarque, 1987) anunciou a “morte” da canção, ‘Tipo um baião’ (Chico Buarque, 2011), ‘Se eu soubesse’ (Chico Buarque, 2011) e ‘Essa pequena’ (Chico Buarque, 2001) desmentem seu autor. Primorosa valsa composta em pleno século XXI, ‘Nina’ (Chico Buarque, 2011) é reproduzida com igual refinamento no show. A nova safra autoral registra as impressões de um homem de 67 anos, sem deixar de (naturalmente) dialogar com um tempo de maior delicadeza da MPB. Sigla que Chico Buarque ajudou a consolidar e a perpetuar graças ao seu indiscutível talento para fazer canções como ‘Bastidores’ (Chico Buarque, 1980), ‘O meu amor’ (Chico Buarque, 1977) e ‘Sob medida’ (Chico Buarque, 1979) que surgem arejadas por elegantes arranjos. Também a teatral ‘Geni e o zepelim’ (Chico Buarque, 1977) ressurge revigorada.
Antigas parcerias são lembradas em ‘Desalento’ (Vinicius de Moraes/ Chico Buarque, 1970), ‘Ana de Amsterdam’ (Chico Buarque/ Ruy Guerra, 1973), ‘Choro bandido’ (Edu Lobo/ Chico Buarque, 1985), ‘Todo o sentimento’ (Cristóvão Bastos/ Chico Buarque, 1987), ‘Anos dourados’ (Tom Jobim/ Chico Buarque, 1986), ‘Valsa brasileira’ (Edu Lobo/ Chico Buarque, 1988), ‘A violeira’ (Tom Jobim/ Chico Buarque, 1983) e ‘Na carreira’ (Edu Lobo/ Chico Buarque, 1982). Parceiros bissextos, mas igualmente importantes, João Bosco e Ivan Lins, estão presentes com ‘Sinhá’ (2011) e ‘Sou eu’ (2009), respectivamente – a última levada com o auxílio luxuoso de Wilson das Neves. O querido baterista ainda divide os vocais com Chico em ‘Tereza da praia’ (Tom Jobim/ Billy Blanco, 1954).
O clima amistoso perpassa todo o show que termina com a genial ‘Barafunda’ (Chico Buarque, 2011), deixando felizes Auroras, Aurélias, Barbarelas e toda a gente que lotou a casa de espetáculos. Em noite de excelente – e tradicional – música popular brasileira, quem dá o baralho ainda é Chico Buarque.

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