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A música universal de Jobim dá o tom em emocionante documentário



O desfile de intérpretes de diversas latitudes durante o documentário ‘A música segundo Tom Jobim’ reitera a amplitude da obra do maestro Antônio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim (1927 – 1994). O idioma universal da música jobiniana é o fio condutor da narrativa assinada pelo veterano cineasta Nelson Pereira dos Santos e pela jovem diretora Dora Jobim.  Seguindo a máxima atribuída a Tom – “A linguagem musical basta” –, palavras e legendas foram descartadas da produção de 1h28m.
Pelas asas de um avião da Panair que sobrevoa a Baía de Guanabara ao som de ‘Garota da Ipanema’ (Tom Jobim/ Vinicius de Moraes, 1962) o público é convidado a percorrer um “Rio de amor que se perdeu”.  Em um belo trabalho de pesquisa da dupla de cineastas e do pesquisador Antônio Venâncio, a Cidade Maravilhosa, musa do maestro em canções ícones como ‘Samba do avião’ (Tom Jobim, 1962) e ‘Corcovado’ (Tom Jobim, 1960) se descortina em imagens de desconcertante beleza.  Igualmente impactante é a aparição de Gal Costa. Acompanhada por músicos excepcionais como Oscar Castro-Neves (violão), Herbie Hancok (piano), Ron Carter (baixo) e o próprio Tom (piano), a cantora está simplesmente espetacular em ‘Se todos fossem iguais a você’ (Tom Jobim/ Vinicius de Moraes, 1953), número de ‘Antônio Carlos Jobim and friends’, último concerto de Tom no país, em 1993. A qualidade interpretativa mantem-se alta com Elizeth Cardoso em ‘Eu não existo sem você’ (Tom Jobim/ Vinicius de Moraes), lançada pela cantora no disco ‘Canção do amor demais’ (1958), considerado marco inaugural da Bossa Nova. Curiosamente, o mito do movimento musical, João Gilberto, que não liberou material para o filme por estar comprometido com outra produção, aparece acompanhando a Divina durante o número.
Com suas harmonias e melodias sofisticadas o maestro inverteu os papéis e, encantador, seduziu muitas sereias da ‘Terra brasilis’. Nana Caymmi, em ‘Sem você’ (Tom Jobim/ Vinicius de Moraes, 1959), Elis Regina (1945 – 1982) em ‘Águas de março’ (Tom Jobim, 1972) e Nara Leão em ‘Dindi’ (Tom Jobim/ Aloísio de Oliveira, 1959) são algumas das cantoras que garantem a emoção nos números apresentados. Desaparecida precocemente, Sylvia Telles (1934 – 1966) está encantadora em ‘Samba de uma nota só’ (Newton Mendonça/ Tom Jobim, 1962).
Estrelas internacionais igualmente arrebatadas, Ella Fitzgerald (1917 - 1996), Sara Vaughan (1924 – 1990) e Frank Sinatra (1915 – 1998) são “apenas” algumas das tantas que fizeram uma canção como ‘Garota de Ipanema’ reverberar pelo mundo.  Muitos são os idiomas ouvidos em ‘A música segundo Tom Jobim’. Sintomaticamente, na semana de estreia, o documentário só entrou em cartaz em poucas salas de projeção da zona sul carioca e da Barra da Tijuca. Será que no peito dos desafinados suburbanos não bate mais um coração? Em tempos de batidão e efêmeros sucessos radiofônicos, a música de Tom Jobim é verdadeiro bálsamo que deveria estar ao alcance de todos.

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