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Longe da música para as massas, Maria Gadú soa interessante em 'Guelã'


Terceiro álbum de estúdio de Maria Gadú, ‘Guelã’ (Slap/ Som Livre) vem provocando frisson entre os apreciadores das estranhezas sonoras, presentes em muitos lançamentos musicais contemporâneos. Produzido pela artista e pelo músico Federico Puppi, o novo CD da cantora e compositora paulistana aposta numa ambiência diferente, intensa, menos pop e muito mais interessante do que as dos seus discos anteriores. Minimalista e “orgânico” – para usar um termo da moda –, ‘Guelã’ foi gravado com uma banda base formada por Lancaster Pinto (baixo), Federico Puppi (cello e baixo), Tomaz Lenz (bateria) e Doga (percussão), além da própria Maria Gadú (violão/ guitarra/ teclado). Como um diário de bordo, o disco registra uma viagem personalíssima que, em alguns momentos, parece fazer sentido apenas para sua narradora, graças a versos, muitas vezes, enigmáticos – o que, neste caso, não tem nada de estranho, afinal estamos falando da mesma autora das incompreensíveis ‘Shimbalaiê’ e ‘Linda rosa’.
Com sutis referências a ‘Walk on the wild side’, clássico autoral do cantor e compositor norte-americano Lou Reed (1942 – 2013), em sua longa introdução, ‘Suspiro’ (Maria Gadú) abre ‘Guelã’ e aponta os novos rumos de Gadú. Primeira música divulgada, ‘obloco’ (Maria Gadú / Maycon Ananias) sugere uma folia diferente e mostra uma artista menos fofa, mais adulta. E é justamente essa Maria amadurecida que seduz, ao cantar a natureza feminina, em ‘Ela’ (Maria Gadú) e na regravação de ‘Trovoa’ – a ode à mulher composta por Maurício Pereira, lançada em 2007, ganha interpretação quase declamada, que a torna um dos pontos altos de ‘Guelã’. A boa e roqueira ‘Semivoz’ (Maria Gadú/ Maycon Ananias/ James McCollum) poderia ser a próxima música de divulgação do álbum, embora a ausência de refrãos certamente assuste as acomodadas programações das rádios. O mantra de sotaque africano ‘Sakédu’ (Maria Gadú/ Mayra Andrade) traz Gadú exercitando agudos em inventivos vocalizes. ‘Tecnopapiro’ (Maria Gadú) é carta de uma filha moderna para sua mãe analógica. “Perdão mãe/ Se a vida virou um mundo de botão/ Se a tela espia nossa solidão”, dizem os versos da curta e bem-sacada faixa. ‘Há’ (Maria Gadú) é a mais fraca das canções da nova safra, enquanto a misteriosa e etérea ‘Vaga’ (Maria Gadú) prepara, com efeito, o ouvinte para a última parada, a quase instrumental ‘Aquária’: “Dois pontos negros no céu/ Focam seus olhos no mar/ Prendo o silêncio no peito/ Prendo o silêncio com os olhos/ Faço silêncio em mim”, conclui Gadú nos versos da canção. Introspectivo e belo, ‘Guelã’ pode distanciar Maria Gadú da massa, mas também pode despertar o interesse de um novo público.


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