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Em 'Mama Kalunga', Virgínia Rodrigues retorna à temática afro-brasileira

 
Em seu quinto disco, ‘Mama Kalunga’, a cantora baiana Virgínia Rodrigues retorna à temática afro-brasileira, sete anos após o significativo desvio de rota registrado em ‘Recomeço’ (Biscoito Fino), álbum de voz-e-piano, no qual registrou clássicos da MPB. Lançado pelo selo Casa de Fulô, com patrocínio do programa Rumos Itaú Cultural e produzido por Sebastian Notini e Tiganá Santana, ‘Mama Kalunga’ reúne composições de autores negros. Canções que abordam religiosidade (‘Ao senhor do fogo azul’, de Gilson Nascimento), preconceito (‘Vá cuidar de sua vida’, de Geraldo Filme), amor (‘Teus olhos em mim’, de Roberto Mendes e Nizaldo Costa) e até filosofia (‘Nos horizontes do mundo’, de Paulinho da Viola) passam pelo característico filtro estético da cantora mezzo-soprano. O timbre quase lírico de Virgínia Rodrigues reveste de delicada solenidade faixas como as belas ‘Mama Kalunga’ (Tiganá Santana) e ‘Sou eu’ (Moacir Santos/ Nei Lopes), esta com a dispensável participação de Tiaganá Santana. Baseados em violões, percussão e ocasionais cellos, os suaves arranjos contribuem para a sensível sonoridade de ‘Mama Kalunga’, que traz, ainda, a participação da cantora e compositora peruana Susana Baca em ‘Canto tradicional afrocubano’/ ‘Belen cochambre’ (adaptação: Susana Baca). Revelada nos anos 1990, Virgínia Rodrigues traz na voz a ancestralidade que, vez por outra, emerge em nossa música. Como Clementina de Jesus (1901 – 1987), Dona Ivone Lara e Jovelina Pérola Negra (1944 – 1998), damas negras que, em algum momento, tiveram o reconhecimento popular que ainda falta à baiana. Transitando entre facetas sagradas e profanas da negritude, ‘Mama Kalunga’ deveria ecoar por muitos terreiros deste vasto país das cantoras.

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