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CD com os sambas de enredo do Carnaval carioca 2013 traz boa safra



Entre teclados, guitarras e relinchos, o CD ‘Sambas de enredo 2013’ (Universal Music) traz melhorias ao padrão técnico das gravações, dando mais destaque para a voz dos intérpretes e para a percussão de cada bateria. O resultado é muito bom, e nem mesmo o excesso de cantores, modismo que vem se alastrando entre as agremiações, chega a atrapalhar. Apesar de alguns enredos espinhosos, as soluções apresentadas são quase sempre interessantes. Novamente os destaques são os sambas da Portela e da Unidos de Vila Isabel. A primeira volta a conjugar tradição e contemporaneidade, apontando um bom futuro – e presente – para o samba de enredo. Gilsinho dá um show de interpretação em ‘Madureira... Onde meu coração se deixou levar’. Adversários em 2012, Martinho da Vila e Arlindo Cruz assinam (com André Diniz/ Tunico da Vila/ Leonel) o empolgante ‘A Vila canta o Brasil, celeiro do mundo – água no feijão que chegou mais um’, que certamente disputará com a obra-prima portelense o título de melhor samba de enredo deste ano.
Atual campeã do Carnaval carioca, a Unidos da Tijuca soa correta falando sobre a Alemanha. Contudo o samba bem defendido por Bruno Ribas, ‘Desceu num raio, é trovoada! O deus Thor pede passagem para mostrar nessa viagem a Alemanha encantada’, não chega a impressionar. Além do trio de intérpretes formado por Quinho, Serginho do Porto e Leonardo Bessa, a Acadêmicos do Salgueiro traz ainda a participação de Xande de Pilares no samba pra cima, que segue a cartilha da escola ao falar sobre celebridades. ‘Fama’ deve funcionar na Avenida, tarefa mais complicada para ‘Horário nobre’, hino da São Clemente que homenageia a Rede Globo listando nomes de novelas e de personagens das produções da emissora carioca.
A Beija-Flor de Nilópolis põe um cavalo para contar sua própria história em ‘Amigo fiel, do cavalo do amanhecer ao Mangalarga Marchador’. Surpreendentemente menos épico do que o padrão da escola, o samba não é ruim, embora não fuja de chavões como “A mais sublime criação” e “Sou eu o seu cavalo de batalha”. A Acadêmicos do Grande Rio consegue tirar petróleo de pedra ao falar sobre a redistribuição dos royalties, no enredo pago: ‘Amo o Rio e vou à luta: ouro negro sem disputa... Contra a injustiça em defesa do Rio’. O patrocínio também atrapalha a Estação Primeira de Mangueira. O samba ‘Cuiabá: um paraíso no centro da América!’ está longe de empolgar, ainda que seus quatro (!) intérpretes, Luizito, Zé Paulo Sierra, Ciganerey e Agnaldo Amaral se esforcem. A Imperatriz Leopoldinense se sai melhor com sua ode ao ‘Pará – o muiraquitã do Brasil, sobre a nudez forte da verdade, o mando diáfano da fantasia’. Dominguinhos tem a companhia de Wander Pires na faixa. Um dos bons temas deste ano, o centenário de ‘poetinha’ rendeu um samba leve para a União da Ilha do Governador. ‘Vinicius no plural, paixão, poesia e carnaval’ é bem cantado por Ito Melodia. Já a Mocidade Independente de Padre Miguel atravessa ao falar sobre o evento roqueiro em ‘Eu vou de Mocidade com samba e Rock in Rio – por um mundo melhor’.  O enredo patrocinado da verde e branco é tão difícil quanto o da Inocentes de Belford Roxo, que fala sobre a Coréia do Sul em ‘As sete confluências do Rio Han’. Porém o samba de enredo da escola estreante no Grupo Especial consegue ser melhor do que o da coirmã famosa.
Distante das maciças execuções no rádio de outrora, que contribuíram para a aceleração dos registros, o CD foi gravado ao vivo na Cidade do Samba mantendo as características de cada escola. Os arranjos assinados por Alceu Maia e Jorge Cardoso contribuem para a impecável qualidade final. O samba agradece.

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