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Orgulho de um Sambista - Jair Rodrigues e a melancolia dos antigos carnavais

 


Jair Rodrigues lançou o álbum ‘Orgulho de um sambista’ pela gravadora Philips em 1973. O samba vivia um momento de revalorização no início da década de 1970 e Jair era um dos principais intérpretes do gênero desde seu disco de estreia, ‘O samba como ele é’ (1964). Em ‘Orgulho de um sambista’, o paulista de Igarapava pôs sua voz poderosa, sua ginga e sua alegria inconfundíveis a serviço de um expressivo repertório.

Do conterrâneo Gilson de Souza, Jair gravou quatro composições marcadas por certa melancolia: ‘Sou da madrugada’ (Gilson/ Wando), ‘Carnaval não envelhece’, ‘Folia, carnaval e cinzas’ (Gilson/ Jair Rodrigues) e a faixa-título do disco, que se tornou um sucesso nacional.

Como dizia o poeta Vinicius de Moraes: “Pra fazer um samba com beleza, é preciso um bocado de tristeza” – e a mistura de samba, folia e tristeza rendeu outros belos momentos, como ‘Certeza’ (Beto Scala/ São Beto), ‘Estrela do morro’ (Edil Pacheco/ Paulinho Diniz) e o pot-pourri com ‘Ninguém sofre mais do que eu’ (B. Barbosa) e mais dois sambas homônimos: ‘Tristeza’, a composição de Edil Pacheco e Carlos Lacerda, e a de Haroldo Lobo e Niltinho, que fora um sucesso do cantor nos anos 1960.

Jair Rodrigues foi um dos pioneiros em incluir sambas de enredos em seus discos: a trinca salgueirense ‘Bahia de todos os deuses’ (Bala/Manoel Rosa), de 1969, ‘Festa para um rei negro’ (Zuzuca), de 1971, e ‘Mangueira, minha querida madrinha’ (Zuzuca), de 1972, continuaram frequentando as paradas radiofônicas pós-carnaval.

No álbum ‘Orgulho de um sambista’, Jair gravou outro samba da Acadêmicos do Salgueiro, com igual sucesso: ‘Boi da cara preta (Eneida, amor e fantasia)’ (Zuzuca). Exaltou a Mangueira no samba de quadra ‘Tem capoeira’ (Batista da Mangueira), além de registrar ‘Lendas do Abaeté’ (Jajá/ Preto Rico/ Manoel), samba da escola Verde-e-Rosa, campeã do desfile em 1973. Já a Portela foi lembrada na faixa ‘Terra azul’ (Jair Amorim/Evaldo Gouveia).

O clássico sertanejo ‘O menino da porteira’ (Teddy Vieira/Luisinho) poderia soar deslocado – não fosse Jair Rodrigues um cantor que passeava com propriedade pelos mais variados gêneros, sem nunca perder o samba de vista.

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