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Sem surpresas, Djavan lança o correto 'Vidas pra contar'

Sucessor de ‘Rua dos amores’ (2012), ‘Vidas pra contar’, 23º disco de Djavan, assinala os 40 anos de carreira do artista, contados a partir de sua participação no ‘Festival Abertura’ promovido pela Rede Globo em 1975, com o samba ‘Fato Consumado’. Como no CD anterior, Djavan assina, além das 12 faixas inéditas, a produção e os arranjos do novo álbum, lançado por seu selo, Luanda Records, com distribuição da gravadora Sony Music. Um trabalho aparentemente solitário, que ele divide no estúdio com os músicos Carlos Bala (bateria), Marcelo Mariano (baixos), João Castilho (guitarra e violão), Marcelo Martins (flauta, sax tenor e sax soprano), Jessé Sadoc (trompete e flugelhorn), Paulo Calasans (teclados), cujos nomes estão presentes em muitos discos lançados pelo cantor e compositor alagoano ao longo das últimas quatro décadas. As reconhecidas melodias elaboradas, as divisões rítmicas sutis e o jeito característico de dispor das palavras estão lá, impressos a partir da primeira faixa, ‘Vida nordestina’, um xote em que o nordestino Djavan fala da dura existência de seus conterrâneos. O tema se conecta a ‘Dona do horizonte’, canção inspirada na mãe do artista, cuja letra cita cantores ouvidos no rádio nos idos de 1950, em Alagoas, como Dalva de Oliveira (1917 – 1972), Ângela Maria e Luiz Gonzaga (1912 – 1989), o rei do baião, uma das notórias influências de Djavan. Se a faixa-título se mostra existencialista, o amor romântico domina as demais composições, das quais se destaca a refinada ‘Encontrar-te’, cuja linha melódica lembra antigas baladas de sucesso do artista, que ainda povoam as programações das rádios FMs destinadas ao público adulto. Embora seja cada vez mais difícil para um medalhão da MPB emplacar uma nova música nacionalmente nestes tempos nada sutis, ‘Encontrar-te’ teria mais potencial para se tornar um hit do que ‘Não é um bolero’, escolhida para divulgar o álbum. O lado mais pop de Djavan está presente em ‘Só pra ser o sol’, faixa que mais se aproxima dos sucessos dançantes de Djavan. A bela valsa ‘O tal do amor’ tem mais poder se sedução do que a pálida ‘Primazia’, uma daquelas faixas que parecem apenas completar um disco. O lado funkeado e sinuoso da música de Djavan se faz presente nas quebradas de ‘Aridez’ e nas jazzísticas linhas melódicas de ‘Enguiçado’ e ‘Se não vira jazz’. Gênero musical que abriu as portas do sucesso para o alagoano em 1976, quando ‘Fato consumado’ e ‘Flor de lis’ tomaram conta as paradas radiofônicas e das rodas de violão em todo o país, o samba reaparece na última faixa de ‘Vidas pra contar’, ‘Ânsia de viver’, que soa agradável sem jamais roçar o brilho e a síncope das composições citadas. O que não chega a ser demérito, afinal, 40 anos depois, Djavan tem lugar de honra no panteão dos artistas brasileiros, graças à força e à singularidade da sua obra. 

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