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'Vanusa Santos Flores' marca a tocante volta da cantora ao disco

Frequentadora das paradas de sucesso dos anos 1970, quando lançou seus discos mais interessantes, Vanusa passou duas décadas longe dos estúdios de gravação. Depois desse jejum fonográfico, a intérprete dos sucessos ‘Manhãs de setembro’ (1973) e ‘Paralelas’ (1977) ressurge com o CD ‘Vanusa Santos Flores’, concebido e produzido por Zeca Baleiro para o seu selo ‘Saravá Discos’. O teor autobiográfico do curto e bem escolhido repertório expõe os sentimentos de uma mulher de 68 anos, que passou por poucas e (outras nem tão) boas e, de certa forma, conecta ‘Vanusa Santos Flores’ ao espetacular ‘A mulher do fim do mundo’, de Elza Soares. As imperfeições do canto, por vezes frágil, de Vanusa não são camufladas, tornando suas interpretações ainda mais significativas. Canções contundentes como ‘Compasso’ (“Pra viver eu transformei meu mundo/ Abro feliz o peito, é meu direito”), de Angela Ro Ro e Ricardo MacCord (2006), ou ‘Abre aspas’ (“O mundo anda em linha reta/ Eu ando em linha torta”), de Nô Stopa e Marcelo Bucoff (2002), parecem ter sido feitas especialmente para o álbum. A cantora também emociona nas delicadas recriações de ‘Esperando aviões’ (“Meus olhos se viram tristes/ Olhando pro infinito/ Tentando ouvir o som do próprio grito”), uma das mais bonitas composições do cantor e compositor mineiro Vander Lee, e da emocionante ‘Haja o que houver’ (Pedro Ayres Magalhães), do grupo lusitano ‘Madredeus’.  A esmerada produção de Baleiro até consegue lustrar composições menos brilhantes da própria Vanusa, como ‘Traição’ e ‘Tapete da sala’ (com Luis Vagner e Antonio Luis), mas, ainda assim, estas são os momentos menos sedutores do disco. Melhor resultado tem a primeira parceria e dueto de Vanusa e Zeca, ‘Tudo aurora’, que ganha acento folk, assim como ‘O silêncio dos inocentes’, de Zé Ramalho. A nostalgia de ‘Mistérios’, de Zé Geraldo e Mario Marcos, faixa que encerra o CD, é reforçada quando, durante a audição, tem-se a impressão de que os versos “(esse pouco que ainda resta) da minha juventude” parecem se transformar num pedido emocionante: “Dá-me a juventude”. Tocante, ‘Vanusa Santos Flores’ é belo contraponto à crescente brutalidade dos nossos tempos.

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