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Nem a sucessão de hits salva 'Viva Tim Maia!' da apatia

Produto final da turnê nacional promovida por uma empresa de cosméticos, que uniu a cantora baiana Ivete Sangalo e o rapper paulistano Criolo em torno do repertório do cantor e compositor carioca Tim Maia (1942 – 1998), o CD ‘Viva Tim Maia!’ chega às lojas via Universal Music. Produzido por Daniel Ganjaman, com direção artística do eclético Paul Ralphes, o álbum traz doze canções do repertório do show. Gravadas em estúdio, são quatro solos de cada um mais quatro duetos. Arranjos reverentes e, quase sempre pálidos, corroboram para a falta de personalidade do álbum e ainda ressaltam a falta de brilho dos intérpretes. Sem a galera que ainda tira o pé do chão ao seu comando, Ivete Sangalo novamente bate ponto sem deixar transparecer a menor vontade de ir além. Suas interpretações desprovidas de alma, distantes do sotaque soul pessoal e intransferível do homenageado, não acrescentam nada aos hits ‘Não quero dinheiro (só quero amar)’ (Tim Maia) e ‘Réu confesso’ (Tim Maia). Ivete consegue algum sucesso na interpretação da balada ‘Telefone’ (Nelson Kaê/ Beto Correa), melhor do que a versão de ‘Azul da cor do mar’, escolhida para divulgar o disco e que logo contou com a adesão das rádios cariocas de todos os segmentos, afinal, é mais cômodo tocar a versão do sucesso de 1970 do que “arriscar-se” com a música menos conhecida, de 1986. A “surpresa” de ‘Viva Tim Maia!’ é o tom juvenil de Criolo. Se rendendo à “força da grana que ergue e destrói coisas belas”, distante de sua canção de protesto, o rapper derrama doçura no projeto sem sal. Falta-lhe estofo (e potência vocal) para encarar as dores de amores contidas em ‘Primavera (vai chuva)’ (Cassiano/ Silvio Rochael) e ‘Me dê motivo’ (Michael Sullivan/ Paulo Massadas), por exemplo. Ele se dá melhor em ‘Chocolate’ (Tim Maia), transformado em sambinha, e em ‘Coroné Antônio Bento’ (Luiz Wanderley/ João do Valle). Os duetos não melhoram o cenário: as versões de ‘Você e eu, eu e você’ (Tim Maia) e de ‘Sossego/ Do Leme ao Pontal’ (Tim Maia) carecem de pegada. Já ‘Um dia de domingo’, outra da dupla Sullivan e Massadas, sofre com a inevitável comparação com a encantadora gravação original, enquanto ‘Lábios de mel’ (Cleonice Aparecida/ Edson Trindade) se destaca por ser uma escolha menos óbvia num repertório batido. Não se deve julgar um livro pela capa, diz o dito popular, mas no caso de ‘Viva Tim Maia!’, a insossa arte, que remete às desleixadas coletâneas dos anos 1990, parece avisar que não vale tudo para homenagear um grande artista como Tim Maia.

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