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Samba do Trabalhador atualiza o gênero sem descaracterizá-lo


Concorrida roda de samba em atividade há uma década, o ‘Samba do Trabalhador’ ganha seu terceiro registro fonográfico. O álbum ‘10 anos & outros sambas’, lançado pelo selo Ritmiza, traz o idealizador e comandante mor Moacyr Luz à frente da turma que dá expediente às segundas-feiras, no Clube Renascença, no bairro carioca do Andaraí. Moacyr (voz/ violão), Daniel Neves (violão 7 cordas), Gabriel Cavalcante (voz/ cavaquinho), Alexandre Nunes (voz/ cavaquinho), Alvaro Santos (voz/ percussão), Mingo Silva (voz/ percussão), Luiz Augusto (percussão), Junior de Oliveira (percussão) e Nilson Visual (percussão) integram a nova formação do grupo em seu primeiro disco de estúdio. Longe do burburinho da festejada reunião semanal, onde desfiam lavra autoral, distante das viciadas programações musicais das rádios, a qualidade da produção musical do ‘Samba do Trabalhador’ salta aos ouvidos. São sambas envolventes, que preservam as qualidades do velho e querido gênero musical, o atualizando, mas sem descaracterizá-lo. E o amor ao samba é mote para grandes composições, como ‘A reza do samba’ (Gusttavo Clarão/ Moacyr Luz), que fala da fé que faz a roda girar: “Segunda-feira é das almas/ É bom também de sambar/ Tem uma vela pro santo/ A outra é pra vadiar”. Ou ‘Cria do samba’ (Alvaro Santos/ Mingo Silva/ Moacyr Luz), cujos versos retratam sambistas de todas as épocas. Ou ‘Samba de fato’ (Moacyr Luz/ Paulo César Pinheiro): “Eu chego e no ato/ Assino o contrato/ Aonde o samba chamar por mim”, entregam os versos. Ou, ainda, ‘No compasso do samba’ (Sereno/ Moacyr Luz), que celebra as rodas “por esse Brasil inteiro”. Primeira mulher a integrar a ala de compositores de uma escola de samba, no caso, o Império Serrano, Dona Ivone Lara ganha mais uma merecida homenagem na delicada ‘Joia rara’ (Sereno/ Moacyr Luz). O famoso contracanto da sambista é lembrado através da gaita do maestro Rildo Hora, em participação especial. Sem preconceitos, o ‘Samba do Trabalhador’ abre a roda para o trombone de Allan Abbadia nas faixas ‘Amor, dono do meu caminho’ (Sereno/ Moacyr Luz) e ‘Na vaselina’ (Moacyr Luz/ Nei Lopes), buliçoso partido alto, cuja letra atualiza o choro ‘Meu caro amigo’ (Chico Buarque/ Francis Hime), ao relatar que a coisa não anda tão bem por aqui, nem no restante do mundo. O acordeom de Bebê Kramer bate ponto em ‘Camarão vegê’ (Moacyr Luz), iguaria de finíssima qualidade, como a calangueada ‘Se parasse de chover’ (Mingo Silva/ Anderson Baiaco). Antiga parceria de Moacyr Luz e Luiz Carlos da Vila (1949 – 2008), ‘Anjo vagabundo’ ganha nova versão. Com outro sócio de respeito, Toninho Geraes, Moacyr assina ‘Toda hora’, que apesar dos versos gaiatos “amigo nunca fiz bebendo leite/ Amigo, não criei bebendo chá”, traz uma melodia mais sisuda e não menos bela. “Vai que um dia eu viro moda”, aposta ‘Vai que vai’ (Moacyr Luz/ João Martins). Pela longevidade do ‘Samba do Trabalhador’, a roda do Clube Renascença liderada do Moacyr Luz já é moda há muito tempo.   

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