Nana Caymmi (1941 – 2025) é a personagem principal de ‘Rio
Sonata’ (2010), documentário dirigido pelo franco-suíço Georges Gachot. “Só
mesmo um francês para entender o que faço, para fazer um filme. Público eu
tenho em qualquer lugar, mas ele colocou a artista, a intérprete — coisa que o
Brasil não conseguiu fazer nas telas porque eu não rendo dinheiro. Chama-se
cultura, arte”, disse Nana à época do lançamento.
Longe dos clichês cinematográficos, Georges surpreende
ao mostrar a cidade natal de Dinahir Tostes Caymmi nublada e ainda mais
portentosa como moldura para as canções entoadas por Nana. O mar cantado pelo
patriarca dos Caymmi está lá, agitado, dividindo preciosas cenas com a Mata
Atlântica que sempre corre o risco de ser encoberta por nuvens. Gachot dá ares
impressionistas ao seu filme, sugerindo um sobrevoo pela cidade e pela carreira
da cantora.
Nada disso desvia a atenção da estrela que fala sobre
sua vida, família e carreira nos 84 minutos de duração de ‘Rio Sonata’. O amor
pela música clássica – não por acaso tema dos filmes de Georges durante 15 anos
– é destacado por Nana, admiradora de Debussy, Ravel e Tchaikovsky. Felizmente
os grandes compositores brasileiros também fizeram a cabeça da cantora e o que
ouvimos é a boa música popular brasileira.
Não faltam interpretações inesquecíveis. Momentos
históricos como a seminal participação de Nana no I Festival Internacional da
Canção (1966), quando defende ‘Saveiros’, do irmão Dori e de Nelson Motta, ou a
parceria com o então marido, Gilberto Gil, em ‘Bom Dia’, no III Festival da
Música Popular Brasileira (1967). Um dos melhores números musicais de ‘Rio
Sonata’ é quando Nana dá versão personalíssima a ‘Atrás da Porta’ (Chico
Buarque/ Francis Hime), sucesso de Elis Regina.
E assim a voz de Nana vai unindo as imagens,
costurando retalhos nem sempre coerentes captados por Georges. Há cenas
impagáveis da cantora em seu cotidiano, seja no estúdio de gravação, no táxi ou
mesmo na mesa de carteado, onde afirma, categórica, se adorar cantando. Ou
ainda quando, auxiliada por algumas doses, canta ‘Requebre que eu dou um doce’
com Miúcha e Maria Bethânia no camarim do show ‘Brasileirinho’.
‘Rio Sonata’ ainda oferece pistas para aqueles que
ainda questionam a popularidade da cantora, que chega a ouvir, de um popular, o
pedido por “uma garrafa de uísque autografada”, após ter cantado ‘Na Rua, na
Chuva, na Fazenda’ (Hyldon) em um show em São Paulo. Tudo levado numa boa pela
intérprete de ‘Resposta ao Tempo’ (Aldir Blanc/Cristóvão Bastos) e ‘Não Se
Esqueça de Mim’ (Roberto Carlos/ Erasmo Carlos) – campeãs das trilhas sonoras
televisivas.
Maria Bethânia, Gilberto Gil, Dori Caymmi e Tom Jobim participam de ‘Rio Sonata’, assim como João Donato, Milton Nascimento, Mart’nália e, claro, o Dorival Caymmi, que compôs Acalanto para Nana dormir. “Eu não precisava de mais nada da vida”, emociona-se Nana, com os olhos brilhantes. A sonata de Nana é assim: clássica, popular, erudita, espirituosa. Desde ontem, uma grande saudade no coração brasileiro, Nana Caymmi se viu muito bem retratada no precioso ‘Rio Sonata’.
Comentários