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CD 'Sambas de Enredo'2015' registra a controversa jogada da Viradouro


O CD ‘Sambas de Enredo 2015’ (Gravadora Escola de Samba/ Universal Music) traz os 12 hinos que serão cantados na Avenida Marquês de Sapucaí neste carnaval. Uma boa notícia é a ausência das introduções explicativas dos enredos, feitas pelos carnavalescos no disco do ano passado. Ainda que não apresente grandes novidades, as gravações são corretas, embora soem padronizadas. Nenhum dos sambas de enredo é candidato à eternidade, mesmo que ‘Nas veias do Brasil, é a Viradouro em um dia de graça!’, da Unidos de Viradouro, esteja na boca do povo há décadas. Após quatro anos no grupo de Acesso, a escola de Niterói resolveu unir dois belos sambas de Luiz Carlos da Vila (1949 – 2008), ‘Nas veias do Brasil’ e ‘Por um dia de graça’, na volta ao desfile principal. Ao usar os sambas gravados respectivamente por Beth Carvalho, no álbum ‘Beth’ (1986), e por Simone, em ‘Desejos’ (1984), a Unidos de Viradouro cria um perigoso precedente para o gênero que, após vários anos em declínio, vinha apresentando sinais de renovação. Sambas grandiosos de compositores como Toninho Nascimento, Luiz Carlos Máximo e André Diniz injetaram novo ânimo e elevaram a qualidade das recentes safras. Mas, como será o amanhã se as escolas de samba passarem a levar para a Avenida sambas que não foram feitos para o desfile ou, quem sabe, sucessos de outros gêneros musicais? Prefiro saudar os bons sambas de enredo inéditos como ‘Imaginário, 450 janeiros de uma cidade surreal’, da Portela, e ‘Axé Nkenda! Um ritual de liberdade – E que a voz da igualdade seja sempre a nossa voz’, da Imperatriz Leopoldinense.  Funcionais, ‘Agora chegou a vez vou cantar: mulher da Mangueira, mulher brasileira em primeiro lugar’ e ‘O maestro brasileiro na Terra de Noel... Tem partitura azul e branca da nossa Vila Isabel’ não chegam a empolgar, assim como ‘Tem amor nesse tempero’, do Salgueiro, e ‘Se o mundo fosse acabar, me diz o que você faria se só restasse um dia?‘, da Mocidade Independente de Padre Miguel. Outros sambas, medianos, crescem na gravação graças aos seus intérpretes, caso de ‘Um griô conta a história: um olhar sobre a África e o despontar da Guiné Equatorial. Caminhemos sobre a trilha de nossa felicidade’, da Beija-Flor de Nilópolis, ‘Beleza pura?’, da União da Ilha do Governador, e ‘A incrível história do homem que só tinha medo da Matinta Pereira, da Tocandira e da Onça pé de boi’, da São Clemente, defendidos por Neguinho da Beija-Flor, Ito Melodia e Igor Sorriso, respectivamente. ‘A Grande Rio é do baralho’, da Acadêmicos do Grande Rio, e ‘Um conto marcado no tempo — o olhar suíço de Clóvis Bornay’, da Unidos da Tijuca, atual campeã do carnaval carioca, são razoáveis, para não dizer esquecíveis. Criados para determinados tempo e espaços, os sambas de enredo ultrapassaram os limites carnavalescos sendo executados nas programações musicais das rádios brasileiras meses antes do desfile. Muitos entraram no repertório de grandes intérpretes da MPB, o que contribuiu para a perenidade do gênero fora da folia. Hoje, quando não são mais tocados pelas emissoras de rádios e voltaram a ficar restritos ao universo das escolas, a Unidos de Viradouro faz o caminho inverso, ao pegar dois sambas de meio de ano, sucessos radiofônicos, para seu desfile. O CD ‘Sambas de enredo 2015’ poderá ser lembrado como o registro fonográfico de uma significativa mudança no enredo dos futuros desfiles.

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