“O
arco da velha índia/ É corda vocal insubmissa/ Rabeca de uma corda/ Que em
desacordo atiça/ A aldeia contra o futuro/ Duro de dar dó/ E preguiça”. Os
versos de ‘Arco da velha índia’, uma das duas canções de Chico César presentes
em ‘Meus quintais’ (Biscoito Fino), novo CD de Maria Bethânia, resumem o
sentimento que vem pautando a produção artística da cantora há mais de uma década. Desde
o festejado ‘Brasileirinho’ (2003), a baiana de Santo Amaro da Purificação
voltou-se de maneira cada vez mais radical para um Brasil interiorano, caboclo,
indígena, afro-brasileiro, folclórico, religioso – e idealizado –, marcando diferenças
diante da modernidade futurista, dura de dar dó e preguiça. A mais autoral de
nossas intérpretes entrelaça, urde, com paciência e precisão de artesã, discos
que imprimem seu pensamento, sua postura artística – e política, mesmo –
perante o Brasil e o mundo. Um tempo-espaço cheio de emoções que parecem
inalcançáveis para as novas gerações. ‘Folias de reis’ (Roque Ferreira), ‘Moda
de onça’ (D.P. /adaptação de Paulo Vanzolini) e ‘Casa de caboclo’ (Paulo
Delafilim/ Roque Ferreira) soam distantes do Brasil urbano, embora (ainda)
existam no inconsciente de pessoas que as acham populares. Últimos ecos da
mágoa que transbordara em ‘Oásis de Bethânia’ (2011), ‘Arco da velha índia’
mostra, ainda, que os recantos de Maria Bethânia estão distantes da produção
musical contemporânea, onde ineditismo e experimentação são cobrados de cada
lançamento. Contundo, engana-se quem achar que ela apresenta mais do mesmo. Os
quintais de ‘Mãe Maria’ (Custódio Mesquita/ David Nasser) precisam de tempo
para a necessária fruição, sem pressa ou conclusões imediatistas, quase sempre
limitadoras. Arranjos delicados e esvaziados de grandiloquências são o cenário
para a “nudeza da sua voz”, tal como a
sereia de água doce, ‘Uma Iara’ (Adriana Calcanhotto), inspirada em ‘Uma
perigosa Yara’, texto de Clarice Lispector (1929 – 1977) editado por Fauzi Arap (1938 –
2013) e Maria Bethânia, que o recita com sua característica entonação. Iansã e
São Jorge novamente são invocados em ‘Lua bonita’ (Zé Martins/ Zé do Norte) e
em ‘Imbelezô/ Vento de Lá’ (Roque Ferreira), respectivamente, sob a luz de um
‘Candeeiro velho’ (Roque Ferreira/ Paulo César Pinheiro). Os ‘Povos do Brasil’
(Leandro Fregonesi), entre eles o ‘Xavante’ (Chico César), lista tribos
indígenas nativas, numa aula carregada de simbolismos em tempos de embates
entre os “donos desse chão” e MST, latifundiários e lideranças do agronegócio. Do
recente álbum ‘Setenta anos’, de Dori Caymmi, Bethânia pinçou a bela ‘Alguma
voz’ (Dori Caymmi/ Paulo César Pinheiro), com que abre o CD, acompanhada pelo
piano de André Mehmari. O mesmo requinte encerra o disco, com ‘Dindi’ (Tom
Jobim/ Aloysio de Oliveira), extra com jeito de faixa de trabalho. De seu trono
de diva da MPB, Maria Bethânia sabe muito bem onde pisam seus pés
descalços.
“Quando eu não puder pisar mais na Avenida/ Quando as minhas pernas não puderem aguentar/ Levar meu corpo junto com meu samba/ O meu anel de bamba/ Entrego a quem mereça usar”. Ao lançar seu primeiro disco, ‘A voz do samba’, em 1975, Alcione viu os versos melancólicos de ‘Não deixe o samba morrer’ (Edson Conceição/ Aloísio Silva) ganharem o país, tornando-se o primeiro sucesso da jovem cantora. Radicada no Rio de Janeiro desde 1967, a maranhense cantava em casas noturnas que marcaram época nas noites cariocas. Nestas apresentações, seu abrangente repertório incluía diferentes gêneros da música brasileira, além de canções francesas, italianas e norte-americanas também presentes no rádio. Enquanto isso, o samba conquistava novos espaços na década de 1970. Em 1974, Clara Nunes viu sua carreira firmar-se nacionalmente com o disco ‘Alvorecer’, do sucesso de ‘Conto de areia’ (Romildo Bastos/ Toninho Nascimento). No mesmo ano, Beth Carvalho obteve seu primeiro êxito como sambista com ...
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