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Luiz Melodia volta ao samba e outras bossas no CD 'Zerima'

Autor de clássicos do repertório de Gal Costa (‘Pérola Negra’, 1971) e Maria Bethânia (‘Estácio Holly Estácio’, 1972), Luiz Melodia surgiu na década de 1970 como um novo sambista vindo do berço de Ismael Silva (1905 – 1978). Mas o cantor do Morro de São Carlos, bairro do Estácio, logo se mostrou arredio à categorização limitadora, afinal, sua voz, cujo timbre se equilibra entre o cortante e o aveludado, se prestava a voos para além dos terreiros e fundos de quintais cariocas. Como consequência, Melodia dividiu com outros artistas igualmente refratários aos esquemas preconcebidos pelas gravadoras, o título de “maldito” – o que de certa forma pode ter prejudicado sua discografia. A partir da estreia impecável, com o álbum ‘Pérola negra’ (1973), Luiz viu sua carreira fonográfica, volta e meia ser pontuada por regravações e novas tentativas de enquadramentos. Seu primeiro e único disco de ouro veio apenas em 1999, com o CD ‘Acústico ao vivo’ (Índie Records), quando, não por acaso, revisitou músicas como ‘Fadas’ (Luiz Melodia, 1978), ‘Magrelinha’ (Luiz Melodia, 1973) e ‘Dores de amores’(Luiz Melodia, 1978), além das já citadas ‘Pérola negra’ e ‘Estácio, Holly Estácio’. Contudo, sua espaçada discografia ganhou o reforço de peso com ‘Estação Melodia’ (Biscoito Fino, 2007), belo álbum dedicado ao samba produzido entre às décadas de 1930 e 1950. O fino repertório serviu de base para ‘Estação Melodia ao vivo – Especial MTV’, de 2008.
Seis anos depois, Luiz Melodia volta àquele gênero musical, em ‘Zerima’ (Som Livre). Mas o samba (e outras bossas) ouvido nas 14 faixas é tão pessoal e intransferível quanto sua ótima qualidade vocal. Cheio da classe e do suingue habituais, Melodia apresenta novas composições como ‘Cheia de graça’ (Luiz Melodia/ Ricardo Augusto), cujos versos “o desejo é fera que devora” dão a tônica amorosa que perpassa o trabalho. Um amor dolente com jeito de fossa, como em ‘Dor de Carnaval’ (Luiz Melodia), que conta com a participação especial da cantora e compositora paulista Céu. “Quem derramou tanto amor, sabor e mel”, pergunta um romântico Melodia em ‘Sonho real’, enquanto destila nostalgia na faixa-título, ‘Zerima’ (Luiz Melodia).
A reconhecida marca autoral de Melodia ainda está imprensa em faixas como ‘Vou com você’ (Luiz Melodia), ‘Caindo de bêbado’ (Luiz Melodia/ Rubia Matos) e ‘Papai do céu’ (Luiz Melodia), cuja melodia remete a ‘Cara, cara’ (Renato Piau/ Luiz Melodia, 1991). A valsa ‘Do coração de um homem bom’ (Ricardo Augusto) e o delicado samba-canção ‘A cura’ (Luiz Melodia/ Renato Piau) se destacam. O grande intérprete abrilhanta pequena joia de Dona Ivone Lara e Délcio Carvalho (1939 – 2013), ‘Nova era’, lançada pela grande dama do Império Serrano em 2004. A versão de ‘Maracangalha’ (Dorival Caymmi) soa menos interessante por causa do dispensável rap de Mahal Reis, filho de Melodia. Melhor é a boa sacada de recriar ‘Leros e leros e boleros’, do também “maldito” Sérgio Sampaio (1947 – 1994). Do Estácio para a Bahia, Melodia cai no samba de roda com jeito baiano, marcado pelo garfo e prato, em ‘Moça bonita’ (Jane Reis) com desenvoltura. A instrumental ‘Amusicadonicholas’ (Luiz Melodia) encerra ‘Zerima’ com suavidade, reafirmando a boa impressão deixada ao fim da audição

Comentários

Unknown disse…
super fã do Luiz Melodia

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