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Sons acústicos e mágoas compõem o Oásis de Bethânia


Um das definições de oásis é todo recanto que oferece calma, repouso. Sob o olhar de Maria Bethânia, a pequena região em que a presença da água permite o surgimento de vegetação e os passantes se refrescam transforma-se no árido sertão nordestino, como entrega a foto de Gringo Cardia que ilustra a capa do novo CD da intérprete, ‘Oásis de Bethânia’ (gravadora Biscoito Fino).
Desta vez as econômicas dez faixas que compõem o disco não ficaram a cargo unicamente do incansável Jaime Além, maestro que acompanha a abelha-rainha há quase três décadas. À procura de novas sonoridades, Bethânia entregou a diferentes convidados os arranjos de cada faixa. O resultado aproxima ‘Oásis’ de outro álbum da cantora.
Em 1983, quando o som dos teclados eletrônicos impregnava e pasteurizava a produção da música popular brasileira, Maria Bethânia lançou ‘Ciclo’. Produzido por Guto Graça Mello, o disco totalmente acústico surpreendeu a todos. Bethânia vinha de discos campeões de vendagens como ‘Álibi’ (1978), ‘Mel’ (1979) e ‘Talismã’ (1980) e frequentava as paradas de sucessos de rádios AM e FM. Introspectivo, o repertório de ‘Ciclo’ trazia, entre outras, a romântica ‘Fogueira’ (Ângela Ro Ro) que se transformaria no único hit do disco.
A questão é que 29 anos depois da ruptura provocada por ‘Ciclo’, o ‘Oásis de Bethânia’ soa apenas correto. Impregnado por indisfarçável mágoa, resultante da polêmica entorno da captação de recursos para um blog de poesia ocorrida em 2011, o disco perfila canções como ‘Lágrima’ (Cândido das Neves, 1930), ‘Calúnia’ (Marino Pinto/ Paulo Soledade, 1950) e ‘Carta de amor’ (Paulo César Pinheiro), esta entremeada por um texto da própria cantora. “Não mexe comigo/ Que eu não ando só”, avisa.  O arranjo lembra o de ‘Navio negreiro’, poema de Castro Alves recitado por ela no disco ‘Livro’ (1997), do irmão Caetano. Há ainda a citação de ‘Lágrima’ (Sebastião Nunes/ Garcia Jr./ Jackson do Pandeiro): “Nenhuma lágrima derramei por você...”, outra alusão à repercussão do abortado blog.
As três canções de Roque Ferreira estão longe do viço buliçoso que permeia a obra do mestre baiano. Uma delas, ‘Barulho’, com sua letra ultrarromântica (“A gente não separou/ Porque meus olhos fechei/ E sem rancor perdoei/ Os seus crimes de amor”) cairia à perfeição no repertório de Alcione.
Entre a (boa) regravação de ‘O velho Francisco’ (Chico Buarque, 1980) e a inédita ‘Vive’ (Djavan) – Caetano ficou de fora – sente-se a falta do vigor, marca registrada da cantora. Ela canta cada vez melhor em estúdio, ainda que muitos fãs prefiram as desafinações impregnadas de emoção de outrora. Curiosamente Maria Bethânia sofre hoje as mesmas cobranças feitas às colegas Gal e Elis – críticos de uma e de outra querendo mais transpiração e menos técnica.

Comentários

Irene disse…
Sempre que ouço a Bethânia paro tudo, fico emocionada com sua voz, interpretação é maravilhosa. Esta baiana é retada. DIVA!!!
Nereu-SP disse…
O cd esta maravilhoso, lindo.
Mas me resportou mais Alteza, lembra Ciclo, mas lembra muito muito Alteza!
As canções Carta de Amor e Salmo, são divinas. duas delícias.
Mas sou suspeito, não escrevo como crítico e sim como um fã apaixonado... eternamente apaixonado por essa deusa!!!!
Anônimo disse…
Que cd bonito!! Que voz e interpretaçao! Bethânia cada vez melhor. Lágrima,Velho Francisco,
Vive,Carta de Amor e Salmo são incríveis.Salmo é uma música bastante difícil, me parece,e Bethania tornou-a antológica.É pra ela a canção(que piano maravilhoso
- bem, todos os músicos um luxo)
Sempre oferece o melhor.Viva Bethania!!
Ricardo Corrêa disse…
Para Maria Bethânia...Não sou digno de que entreis em minha morada, mas dizeis uma só palavra é ficarei 'calmo'. Amém.

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