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Macalé valoriza canções em 'Jards'


Concebido a partir do projeto de registrar a produção de um CD em todas as suas fases para a gravação de um DVD ainda a ser lançado, ‘Jards’ é o terceiro álbum lançado por Jards Macalé pela gravadora Biscoito Fino. O pianista Cristóvão Bastos, com quem Macalé já havia trabalhado nos discos ‘O q faço é música’ (1998), ‘Real Grandeza’ (2005) e ‘Macao’ (2008), assina a direção musical e os belos arranjos de ‘Jards’.
O ótimo time de músicos recrutados, que engloba nomes como Jorge Helder (baixo), Jurim Moreira (bateria), Kassin (baixo), Pedro Sá (guitarra) e Domenico Lancellotti (bateria) reveste cada faixa de apurada contemporaneidade.
Além dos clássicos de sua própria lavra, há espaço para o profético samba ‘Juízo final’ (Nelson Cavaquinho/ Élcio Soares), conduzido pela sincopada batida na caixa de fósforos de Elton Medeiros (voz) e pelo violão de Macalé, e para ‘Black and blue’ (Andy Razaf, Fatz Walter e George Brooks), número onde Jards evoca Louis Armstrong (1901 - 1971) e Sarah Vaughan (1924 - 1990). O canto profundo do intérprete pode ser apreciado em ‘Unicórnio’, do poeta cubano Silvio Rodrigues, em versão com ares eruditos graças ao arranjo de piano, cordas e violoncelo.
Variado, o CD apresenta sonoridade nordestina em ‘Revendo amigos (volto pra curtir)’ (Jards Macalé/ Waly Salomão), ponteado pela flauta de pífano de Dirceu Leite e pelo trio zabumba/ triângulo/ pandeiro tocado por Chacal.
Frejat imprime sua pegada roqueira em ‘Mal secreto’, como havia feito no disco ‘Real Grandeza’, álbum em que Macalé homenageou o parceiro Waly Salomão (1944 – 2003). A memorável parceria ainda é relembrada por Ava Rocha, que põe seus graves a serviço do sombrio acalanto ‘Berceuse crioulle’, e por Luiz Melodia, que injeta suingue em ‘Negra melodia’, feita em sua homenagem.
Recentemente recuperada por Cida Moreira em incisiva versão, ‘Hotel das estrelas’ (Jards Macalé/ Duda) é defendida com competência por Thaís Gulin. Mas é o grande intérprete que brilha nos números solo ‘Mulheres’ (Jards Macalé/ Zé Ramalho), ‘Só morto (burning night)’ (Jards Macalé/ Duda), ‘Soluços’ (Jards Macalé) e ‘Movimento dos barcos’ (Jards Macalé/ Capinam).
Décimo-primeiro disco de uma carreira artística que ultrapassa quatro décadas, ‘Jards’ pode parecer preguiçoso pela ausência de material inédito, mas qualquer preconceito vem abaixo logo na primeira audição. Jards Macalé sabe valorizar sua arte.

Comentários

HENRIQUE SILVA disse…
Jards Macalé me fez querer tocar um violão e compor ou re-visitar uma canção, consagrada ou não, da tradição brasileira/planetária. Vi todos os seus shows na Sala Corpo-som do velho MAM - Rio, anos 1970.

Henrique Silva

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