Pular para o conteúdo principal

Silvia Maria: o retorno de uma rara cantora


Ave rara, Silvia Maria lança pela gravadora Joia Moderna seu terceiro disco. Antes a cantora paulistana só tinha registrado os álbuns ‘Porte de rainha’ (1973) e, sete anos mais tarde, ‘Coragem’. O novo trabalho impressiona pelo repertório peculiar e pela voz apurada que remete à escola musical que deu ao país Elis Regina (1945 – 1982), embora em alguns momentos Silvia se aproxime da afinação mais leve e bossa-novista de Joyce sem, contudo, chegar-se plenamente ao famoso balanço da zona sul carioca. O canto de Silvia Maria é veemente.
Na seleção musical de ‘Ave rara’ não há concessão à programação mesmerizada das FMs como atestam canções como ‘Rio vermelho’ (Milton Nascimento/ Danilo Caymmi/ Ronaldo Bastos), lançada por Milton no LP ‘Courage’ (1968), e ‘Ave rara’ (Edu Lobo/ Aldir Blanc), faixa do disco ‘Corrupião’, gravado por Edu em 1993. Ao canto intenso de Silvia adequam-se com perfeição os arranjos do violonista Conrado Paulino.
Da esplêndida produção autoral do centenário Assis Valente, ela encara sem a manemolência necessária (ainda assim corretamente, graças à sua técnica apurada), ‘Minha embaixada chegou’, lançada por Carmen Miranda em 1934. A cantora se sai melhor em número mais intenso como ‘Que eu canse e descanse’ (Marcos Valle/ Paulo Sério Valle), canção gravada, não por acaso, pela intensa Maysa em 1970, no disco ‘Ando só numa multidão de amores’. O refinado arranjo também merece destaque.
Seguindo a trilha das canções menos evidentes, Silvia pesca do repertório de Elizeth Cardoso (1920 – 1990) nada menos que três músicas: ‘Valsa sem nome’ (Baden Powell/ Vinicius de Moraes), ‘Refém da solidão’ e ‘Voltei’, assinadas por Baden (1937 – 2000) e Paulo César Pinheiro. O letrista aparece ainda em ‘Sete cordas’ (c/ Raphael Rabello).
Outro bom momento de ‘Ave rara’ é ‘Me dá a penúltima’ (João Bosco/ Aldir Blanc), gravada por Bosco em ‘Tiro de misericórdia’ (1977), mesmo disco de ‘Bijuterias’ – novamente em evidência graças à nova versão da novela ‘O astro’.
Assim, oferecendo um biscoito fino – não para as massas – Silvia Maria retoma sua carreira fonográfica: “A lembrança pedia pra eu voltar/ A saudade mandava me chamar”, entregam os versos da canção que encerra o disco (‘Voltei’). Entre e fique à vontade.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A voz do samba - O primeiro disco de Alcione

  “Quando eu não puder pisar mais na Avenida/ Quando as minhas pernas não puderem aguentar/ Levar meu corpo junto com meu samba/ O meu anel de bamba/ Entrego a quem mereça usar”. Ao lançar seu primeiro disco, ‘A voz do samba’, em 1975, Alcione viu os versos melancólicos de ‘Não deixe o samba morrer’ (Edson Conceição/ Aloísio Silva) ganharem o país, tornando-se o primeiro sucesso da jovem cantora. Radicada no Rio de Janeiro desde 1967, a maranhense cantava em casas noturnas que marcaram época nas noites cariocas. Nestas apresentações, seu abrangente repertório incluía diferentes gêneros da música brasileira, além de canções francesas, italianas e norte-americanas também presentes no rádio. Enquanto isso, o samba conquistava novos espaços na década de 1970. Em 1974, Clara Nunes viu sua carreira firmar-se nacionalmente com o disco ‘Alvorecer’, do sucesso de ‘Conto de areia’ (Romildo Bastos/ Toninho Nascimento). No mesmo ano, Beth Carvalho obteve seu primeiro êxito como sambista com ‘1...

Galeria do Amor 50 anos – Timóteo fora do armário (ou quase)

  Agnaldo Timóteo lançou o disco ‘Galeria do amor’ em 1975. Em pleno regime militar, o ídolo popular, conhecido por sua voz grandiloquente e seu temperamento explosivo, ousou ao compor e cantar a balada sobre “um lugar de emoções diferentes/ Onde a gente que é gente/ Se entende/ Onde pode se amar livremente”. A canção, que se tornaria um sucesso nacional, foi inspirada na famosa Galeria Alaska, antigo ponto de encontro dos homossexuais na Zona Sul carioca – o que passaria despercebido por boa parte de seu público conservador. O mineiro de Caratinga já havia suscitado a temática gay no disco ‘Obrigado, querida’, de 1967. A romântica ‘Meu grito’, feita por Roberto Carlos para a sua futura mulher, Nice, ganhou outras conotações na voz poderosa de Timóteo. “Ai que vontade de gritar seu nome, bem alto no infinito (...), só falo bem baixinho e não conto pra ninguém/ pra ninguém saber seu nome, eu grito só ‘meu bem'”, canta Agnaldo, que nunca assumiria sua suposta homossexualidade. ...

'Se dependesse de mim', um disco com a inconfundível marca de Wilson Simonal

               Lançado em 1972, ‘Se dependesse de mim’ marcou a estreia de Wilson Simonal na gravadora Philips. Ídolo inconteste nos anos 1960, Simonal buscava renovação. Para isso, os produtores Nelson Motta e Roberto Menescal optaram por um repertório essencialmente contemporâneo.             A faixa-título (Ivan Lins/Ronaldo Monteiro de Souza) traz versos simbólicos para o momento vivido por Simonal, como “Quero brisas e nunca vendavais”. O samba ‘Noves fora’ (Belchior/Fagner), gravado por Elis Regina, mas deixado de fora de seu LP de 1972, ganhou versão cheia de suingue de Simonal. ‘Expresso 2222’ (Gilberto Gil) circulava na voz de seu compositor e teve seu segundo registro, cujo arranjo passeia por diferentes ritmos. A melodiosa ‘Irmãos de sol’ (Marcos/Paulo Sérgio Valle) intui futuros dias mais bonitos. Em ‘Maria’ (Francis Hime/Vinicius de Moraes), Simonal revive a canção que defendeu ...