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O dengo de Thais Macedo


O país das cantoras continua gerando dezenas de aves canoras das mais diversas espécies. Em alta há uma década, o samba tornou-se porta de entrada para a carreira artística de muitas delas, principalmente a partir da “redescoberta” da Lapa. Muitas vezes oriundas das rodas de samba de fundos de quintais dos subúrbios cariocas, elas perpetuam a tradição de cantoras identificadas com o ritmo brasileiro reconhecido internacionalmente: Carmen Miranda (1909 – 1955), Aracy de Almeida (1914 – 1988), Elza Soares, Elizeth Cardoso (1920 – 1990) e a imbatível trindade formada por Clara Nunes (1942 – 1983), Alcione e Beth Carvalho nos anos 1970.
Com a (bela) cara e a coragem inerentes à juventude – ela tem apenas 21 anos – Thais Macedo junta-se à linhagem matriarcal do samba. Seu abre alas é o CD ‘O dengo que a nega tem’ (independente), que reúne oito inéditas e quatro regravações, produzidas por Carlinhos Sete Cordas, com arranjos deste e de Rildo Hora, Ivan Paulo e Fernando Merlino. Natural da Região dos Lagos (RJ), a moça surpreende pela segurança com que defende o bom repertório. Com  timbre agradável, Thais apresenta musicalidade inata e forte personalidade, atributos que ela utiliza sabiamente tanto no samba-canção ‘Coração vazio’ (Sereno/ Moacyr Luz) quanto no buliçoso samba de roda ‘Candeeiro da saudade’ (Dunga/ Roque Ferreira). Para homenagear Dorival Caymmi (1909 – 2008), ilustre morador de Rio das Ostras na década de 1970, Thais foi além das famosas canções praieiras do mestre baiano, escolhendo ‘O dengo que a nega tem’, que tão apropriadamente dá nome ao álbum. Thais se sai igualmente bem nas regravações da ótima ‘Minha arte é amar’ (Nei Lopes/ Zé Luiz), de ‘Mandamento’ (Giza Nogueira) e de ‘Filosofia’ (Noel Rosa/ André Filho), impressionando pela carga vivencial que consegue imprimir em cada uma delas. Um ouvinte desavisado não desconfiaria da tenra idade da cantora. Sustentando notas e fraseado com admirável competência, Thais mantém a temperatura alta ao apresentar ‘O amor fala com você’, irresistível samba de Moacyr Luz e Luiz Carlos da Vila (1949 – 2008), valorizado pelo arranjo esperto de Carlinhos Sete Cordas. Outra inédita de boa cepa, ‘O amor e o samba’ (Wanderley Monteiro/ Toninho Nascimento) confirma a habilidade de Thais na escolha do repertório. Nem mesmo as medianas ‘Morena do mar’ (Norma Acquarone), ‘Quero sentir um abraço’ (João Martins/ Fred Camacho) e ‘Rio-Bahia’ (Sérgio Cruz/ Celso Lima) comprometem o resultado final. A julgar pela bela estreia, Thais Macedo aponta como nova estrela do samba. Dengo e talento não faltam à nega.

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