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De bem com a vida, Bethânia arrebata em 'Abraçar e agradecer'


Com a estreia da turnê ‘Abraçar e agradecer’ na noite de sábado, 10 de janeiro de 2015, no Vivo Rio, Maria Bethânia deu início aos festejos pelos seus 50 anos de carreira. Pisando nos astros distraída, graças à bela cenografia da diretora Bia Lessa, Bethânia parece também pairar sobre águas revoltas, verdes campos ou um mar de rosas vermelhas, que surgem no tablado high-tech onde são projetadas imagens de acordo com o roteiro musical – modernas telas de leds iluminam os quintais da baiana. Bia Lessa finalmente deixou de lado o balé de luzinhas que tão bem compuseram o cenário do antológico ‘Brasileirinho’ (2003), mas que vinha sendo repetido à exaustão. Em 'Abraçar e agradecer', feixes de luz se movimentam criando novos espaços na requintada cena iluminada por Binho Schaefer. Contudo, a inventiva e bonita solução cênica só pode ser vista plenamente do segundo andar da casa de espetáculo do Aterro do Flamengo. Dos dois figurinos assinados por Gilda Midani, se sobressai o segundo, em tons de dourado e vermelho, com o qual a cantora volta para o segundo ato. Acompanhada pela excelente banda formada por Jorge Helder (regência/contrabaixo), João Carlos Coutinho (piano/ acordeom), Paulo Dafilin (violão/ violas), Pedro Franco (violão/ bandolim/ guitarra), Marcio Mallard (cello), Pantico Rocha (bateria) e Marcelo Costa (persussão), Bethânia, que também assina a criação, o repertório e o roteiro do espetáculo, fez radiante apresentação, tão impactante quanto as do memorável ‘Âmbar – Imitação da Vida’. Não por acaso, são do espetáculo de 1997 alguns números que integram o ótimo primeiro ato. Embora mantenha o conceito estrutural de seus antigos shows, entremeando músicas e textos, a cantora chega a surpreender ao deixar de lado sucessos, como ‘Explode Coração’ e ‘Negue’, quase sempre inseridos em suas apresentações, e incluir músicas do belo CD ‘Meus Quintais’ (2014), valorizadas pelos excelentes arranjos. Poucas inéditas, como ‘Voz de mágoa’ e ‘Viver na fazenda’, ambas assinadas por Dori Caymmi e Paulo César Pinheiro, estão no roteiro, que ainda mantém o momento “sertanejo”, comum nos shows da artista desde o já citado ‘Brasileirinho’. A grande novidade é a arrebatadora interpretação de ‘Non, je ne regrette rien’ (Charles Dumont/ Michael Vaucaire) no idioma original, quase no fim do show. No meio da canção, a intérprete mais teatral da Música Popular Brasileira usa todo o seu arsenal de gestos e ênfases para recitar a versão em português do sucesso da francesa Edith Piaf. Após ser ovacionada, ela dribla a plateia completamente maravilhada, cantando ‘Silêncio’, inédita da composição da paraibana Flavia Wenceslau. A moça que voltou para a Bahia por não aceitar o rótulo de cantora de protesto, após estourar no Rio de Janeiro, ao substituir Nara Leão no mítico show ‘Opinião’, é lembrada na citação de ‘Carcará’ (João do Vale), quando Bethânia novamente se utiliza dos gestos para interpretar o refrão da famosa canção, sem que precise canta-la. Uma bissexta – e um tanto dura – versão de ‘Brincar de Viver’ (Guilherme Arantes/ Jon Lucien) é a surpresa do bis, que, no entanto, termina com a batida ‘O que é o que é?’ (Gonzaguinha) – mas quem se importa? De bem com a vida, prestes a completar 69 anos em junho de 2015, Maria Bethânia sabe que quando a gente tá contente, a gente quer é viver – e não ter a vergonha de ser feliz! 

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