Pular para o conteúdo principal

Tradição e modernidade realçam a qualidade de 'ClaroEscuro', CD de estreia de Pedro Moraes



Disco de estreia do cantor e compositor Pedro Moraes, ‘ClaroEscuro’ passou por processo de maturação, a partir de 2007, quando saíram as primeiras tiragens, até o lançamento internacional, com sua versão definitiva, em 2010. Somente agora o álbum chega às praias brasileiras via gravadora Rob Digital. 
Oriundo do grupo ‘É com esse que eu vou’, que se apresentava na Lapa (RJ), Pedro Moraes aposta em sua ótima produção autoral e segue por um caminho diverso da imediatista – e pueril – cena musical contemporânea.
Notadamente influenciada pela MPB feita a partir dos anos 1960, a música do jovem artista incorpora fina ironia, aproxima erudito e popular, sem se deixar contaminar por extremada reverencia ou pedantismo. Passam por seu filtro urbano gêneros musicais como: xote (‘Xote de manhã’), salsa (‘Marcela’), samba (‘Samba de quarta-feira’, ‘Samblefe’), marcha-rancho (‘Carnaval em agosto’), valsa (‘O sonho de Antonieta’) e frevo (‘Coroa e cara’), entre outros comumente ligados à velha guarda da música popular brasileira. Impressiona a voz segura, o timbre equilibrado entre João Bosco e Milton Nascimento.
Como no célebre jogo de luz e sombras de Caravaggio que dá nome ao disco, aparentes diferenças e contrastes, assim como o diálogo entre passado e presente, realçam a qualidade do álbum. De tal modo, oboé, fagote, trompa, cuíca, viola e guitarras distorcidas passeiam pelos envolventes arranjos assinados por Pedro, Ricardo Sá Reston, Thiago Armud, Armando Lôbo, Daniel Marques, Marcelo Caldi e Gabriel Geszti.
Ciente das inúmeras possibilidades, Pedro coloca ‘Dora’, a caymmiana rainha do frevo e do maracatu, para requebrar ao som de sedutora guitarra, enquanto o clássico dos Beatles, ‘With a little help from my friends’ (Lennon/ McCartney) se transforma em afoxé.
Em uma das melhores faixas, ‘Zingareio’, Alcione faz luxuosa e sofisticada participação reiterando sua excelência vocal. Convidando a cantora frequentemente associada à canção mais romântica e popular para dividir o microfone, Pedro demonstra sua aguda sensibilidade, destituída de preconceitos estético-musicais.
Enfim, ao optar pelo universo musical mais tradicionalista, Pedro Moraes segue um caminho menos óbvio e, por isso mesmo, mais difícil. Em tempos de sucessos descerebrados e sem qualquer emoção, sua música será posta à prova pelo tempo. E certamente permanecerá.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A voz do samba - O primeiro disco de Alcione

  “Quando eu não puder pisar mais na Avenida/ Quando as minhas pernas não puderem aguentar/ Levar meu corpo junto com meu samba/ O meu anel de bamba/ Entrego a quem mereça usar”. Ao lançar seu primeiro disco, ‘A voz do samba’, em 1975, Alcione viu os versos melancólicos de ‘Não deixe o samba morrer’ (Edson Conceição/ Aloísio Silva) ganharem o país, tornando-se o primeiro sucesso da jovem cantora. Radicada no Rio de Janeiro desde 1967, a maranhense cantava em casas noturnas que marcaram época nas noites cariocas. Nestas apresentações, seu abrangente repertório incluía diferentes gêneros da música brasileira, além de canções francesas, italianas e norte-americanas também presentes no rádio. Enquanto isso, o samba conquistava novos espaços na década de 1970. Em 1974, Clara Nunes viu sua carreira firmar-se nacionalmente com o disco ‘Alvorecer’, do sucesso de ‘Conto de areia’ (Romildo Bastos/ Toninho Nascimento). No mesmo ano, Beth Carvalho obteve seu primeiro êxito como sambista com ‘1...

Joias musicais de Gilberto Gil são reeditadas

               A Universal Music reabre seu baú de preciosidades. Desta vez, a dona do maior acervo musical do país, traz duas joias do cantor, compositor e violonista Gilberto Passos Gil Moreira, recentemente eleito imortal pela Academia Brasileira de Letras. De 1971, o disco londrino, ‘Gilberto Gil’, reaparece em nova edição em vinil, enquanto ‘Refestança’, registro do histórico encontro de Gil e Rita Lee, de 1977, finalmente ganha versão digital.             Gravado durante o exílio do artista baiano em Londres, o quarto LP de estúdio de Gilberto Gil foi produzido por Ralph Mace para o selo Famous e editado no Brasil pela Philips, atual Universal Music. O produtor inglês também trabalhava com Caetano Veloso, que havia lançado seu primeiro disco de exílio no mesmo ano. Contrastando com a melancolia expressada por Caetano, Gil fez um álbum mais equilibrado, dosando as saudades do Brasil...

Galeria do Amor 50 anos – Timóteo fora do armário (ou quase)

  Agnaldo Timóteo lançou o disco ‘Galeria do amor’ em 1975. Em pleno regime militar, o ídolo popular, conhecido por sua voz grandiloquente e seu temperamento explosivo, ousou ao compor e cantar a balada sobre “um lugar de emoções diferentes/ Onde a gente que é gente/ Se entende/ Onde pode se amar livremente”. A canção, que se tornaria um sucesso nacional, foi inspirada na famosa Galeria Alaska, antigo ponto de encontro dos homossexuais na Zona Sul carioca – o que passaria despercebido por boa parte de seu público conservador. O mineiro de Caratinga já havia suscitado a temática gay no disco ‘Obrigado, querida’, de 1967. A romântica ‘Meu grito’, feita por Roberto Carlos para a sua futura mulher, Nice, ganhou outras conotações na voz poderosa de Timóteo. “Ai que vontade de gritar seu nome, bem alto no infinito (...), só falo bem baixinho e não conto pra ninguém/ pra ninguém saber seu nome, eu grito só ‘meu bem'”, canta Agnaldo, que nunca assumiria sua suposta homossexualidade. ...