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Ana Costa acerta ao mirar o samba



Em ‘Hoje é o melhor lugar’, seu terceiro disco, recém-lançado pela gravadora Biscoito Fino, a cantora e compositora Ana Costa deixa de lado o flerte com outros ritmos que pontou ‘Novos alvos’ (2009), o trabalho anterior. Entre muitas inéditas e algumas regravações, a cantora põe sua voz elegante e bem colocada a serviço do samba. Produzido por Carlinhos 7 Cordas, que divide os arranjos com Itamar Assiere, ‘Hoje é o meu melhor lugar’ reúne músicos tarimbados como Cláudio Jorge (violão/ guitarra), Marcio Hulk (cavaco), Dirceu Leite (sax soprano/ flauta) e Alceu Maia (cavaco em ‘O que é o que é’), entre outros.
Afilhada musical de Martinho da Vila, Ana escolheu uma desconhecida parceria do sambista com Marcelinho Moreira e Fred Camacho, ‘Filosofia de vida’ (2009), para abrir o álbum. Versos como “Não quero mais do que necessito pra transmitir minha alegria” definem apropriadamente a atmosfera das demais 14 faixas do disco.
O nível se mantém elevado nas faixas seguintes, ‘Sou o samba’ e ‘Hoje é o melhor lugar’, assinadas por Ana com dois de seus parceiros mais constantes, Jorge Agrião e Zélia Duncan, respectivamente. Embora não se mostre tão inspirada quanto as já citadas, ‘Perdeu’, primeira parceria de Ana e Mu Chebabi, tem refrão contagiante.
O canto doce de Ana Costa atenua obviedades de faixas como ‘Mais feliz’ (Toninho Geraes/ Paulinho Rezende), ‘Quem me dera’ (Silvão Silva/ Silvio Guerra) e ‘No bar’ (Serginho Procópio/ Evandro Lima). A propósito, a suavidade interpretativa da moça é realçada no bom dueto com Moyseis Marques em ‘Fogo sem a chama’ (Alemão do Cavaco/ Wanderlei Monteiro).
O clima esquenta novamente a partir de ‘As coisas que mamãe me ensinou’ (Leci Brandão/ Zé Maurício), partido lançado por Leci Brandão em 1989. Tão irresistível quanto a inédita ‘Se você for coerente’, parceria de Arlindo Cruz e Zeca Pagodinho, que traz a pegada típica das rodas do Cacique de Ramos. O samba de roda também se faz presente em ‘Cantador da felicidade’ (Leandro Fregonesi/ Chico Donadoni). Ana está em casa.
Mais uma inédita que merece destaque é ‘O brilho do seu olhar’ (Marcelinho Moreira/ Fred Camacho/ Rogê), samba romântico que lembra a produção de outro bamba, Jorge Aragão, assim como ‘Peso e medida’ (Alceu Maia/ Zé Catimba) tem a pegada típica do repertório de Martinho.
Explicitando ainda mais a atual ventura, a cantora dá voz aos clássicos ‘Por um dia de graça’ (Luiz Carlos da Vila), samba de enredo lançado por Simone em 1984, e ‘O que é o que é’, samba gravado simultaneamente pelo autor, Gonzaguinha, e por Maria Bethânia, em 1982.
Seguindo a cartilha do padrinho Martinho, Ana sabe que o reconhecimento pode chegar ‘Devagar, devagarinho’, mas chega. ‘Hoje é o melhor lugar’ reitera a coerência com que ela vem conduzindo sua carreira desde quando cantava e tocava nas rodas de samba de Vila Isabel e, posteriormente, da Lapa. O samba de Ana Costa já tem seu espaço no terreiro dos bambas.

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