Pular para o conteúdo principal

Alexia suaviza urgências e tristezas das canções de exílio de Caetano



No momento em que uma nova edição de ‘Transa’ (1972) chega às lojas como parte das comemorações dos 70 anos de Caetano Veloso, a gravadora Biscoito Fino lança ‘I just happen to be here’, segundo álbum da cantora Alexia Bomtempo, que reúne dez das canções em inglês feitas pelo baiano, a maioria durante o exílio em Londres (Inglaterra) entre 1969 e 1972.
Nascida nos EUA, filha de mãe norte-americana e pai brasileiro, Alexia suaviza urgências e tristezas dos versos compostos por um artista forçosamente afastado de sua terra natal. Auxiliada pelos produtores Felipe Abreu e Dé Palmeira, a jovem cantora comprova a perenidade das canções escritas em um período tão específico e sugere novas interpretações para as mesmas. A oportuna retirada das inúmeras citações em português cunhadas por Caetano à época exime o álbum de qualquer comparação maldosa com as gravações originais.
A sonoridade contemporânea de ‘I just happen to be here’ realça a irresistível beleza de ‘You don’t know me’ e ‘In the hot sun of a Christmas day’ (Caetano Veloso/ Gilberto Gil), com as participações de Rodrigo Campello (violão/ guitarra) e Frejat (dobro), respectivamente.
Lançada por Gal Costa em 1968, ‘Lost in the paradise’ conserva delicada estranheza, enquanto a solitária ‘London, London’, de onde saiu o verso que dá nome ao CD, soa desbotada, sem o frescor que uma jovem cantora deveria transmitir. Alexia está melhor em ‘The Empty Boat’, que ganhou ótimo arranjo enfatizado pelas guitarras de Jr. Tostói.
Outra boa faixa é ‘Nine out of ten’. Constantemente revisitada por Caetano em seus shows, a canção ressurge na levada de samba-reggae do maestro Letieres Leite e sua Orkestra Rumpilezz. Também do repertório de ‘Transa’, ‘It’s a long way’ merece melodiosa interpretação da autointitulada doce carioca.
Acompanhando-se ao violão, Alexia encerra o disco com ‘If you hold a stone’, versão de Caetano para ‘Marinheiro só’, na qual entoa um único verso em português: “Eu não sou daqui”. “Or there”, poderia completar em sua língua natal a cosmopolita Alexia Bomtempo, cantora de dupla-cidadania que deu conotações ainda mais contemporâneas às canções de exílio do baiano Caetano Veloso. 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Joias musicais de Gilberto Gil são reeditadas

               A Universal Music reabre seu baú de preciosidades. Desta vez, a dona do maior acervo musical do país, traz duas joias do cantor, compositor e violonista Gilberto Passos Gil Moreira, recentemente eleito imortal pela Academia Brasileira de Letras. De 1971, o disco londrino, ‘Gilberto Gil’, reaparece em nova edição em vinil, enquanto ‘Refestança’, registro do histórico encontro de Gil e Rita Lee, de 1977, finalmente ganha versão digital.             Gravado durante o exílio do artista baiano em Londres, o quarto LP de estúdio de Gilberto Gil foi produzido por Ralph Mace para o selo Famous e editado no Brasil pela Philips, atual Universal Music. O produtor inglês também trabalhava com Caetano Veloso, que havia lançado seu primeiro disco de exílio no mesmo ano. Contrastando com a melancolia expressada por Caetano, Gil fez um álbum mais equilibrado, dosando as saudades do Brasil...

50 anos de Claridade

Clara Nunes (1942 – 1983) viu sua carreira deslanchar na década de 1970, quando trocou os boleros e um romantismo acentuado pela cadência bonita do samba, uma mudança idealizada pelo radialista e produtor musical Adelzon Alves. Depois do sucesso do LP ‘Alvorecer’, de 1974, impulsionado pelas faixas ‘Menino deus’ (Mauro Duarte/ Paulo César Pinheiro), ‘Alvorecer’ (Délcio Carvalho/ Ivone Lara) e ‘Conto de areia’ (Romildo/ Toninho Nascimento), a cantora mineira reafirmou sua consagração popular com o álbum ‘Claridade’. Lançado em 1975, este disco vendeu 600 mil cópias, um feito excepcional para um disco de samba, para uma cantora e, sobretudo, para um disco de samba de uma cantora. Traço marcante na trajetória artística e na vida de Clara Nunes, o sincretismo religioso está presente nas faixas ‘O mar serenou’ (Candeia) e ‘A deusa dos orixás’, do pernambucano Romildo e do paraense Toninho Nascimento, os mesmos autores de ‘Conto de areia’. Eles frequentavam o célebre programa no qual Adelzon...

Galeria do Amor 50 anos – Timóteo fora do armário (ou quase)

            Agnaldo Timóteo lançou o disco ‘Galeria do amor’ em 1975. Em pleno regime militar, o ídolo popular, conhecido por sua voz grandiloquente e seu temperamento explosivo, ousou ao compor e cantar a balada sobre “um lugar de emoções diferentes/ Onde a gente que é gente/ Se entende/ Onde pode se amar livremente”. A canção, que se tornaria um sucesso nacional, foi inspirada na famosa Galeria Alaska, antigo ponto de encontro dos homossexuais na Zona Sul carioca – o que passaria despercebido por boa parte de seu público conservador. O mineiro de Caratinga já havia suscitado a temática gay no disco ‘Obrigado, querida’, de 1967. A romântica ‘Meu grito’, feita por Roberto Carlos para a sua futura mulher, Nice, ganhou outras conotações na voz poderosa de Timóteo. “Ai que vontade de gritar seu nome, bem alto no infinito (...), só falo bem baixinho e não conto pra ninguém/ pra ninguém saber seu nome, eu grito só ‘meu bem'”, canta Agnaldo, que nunca assu...