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Cássia Eller, 1990: o início impactante de uma intérprete singular

 



    Lançado em 1990, ‘Cássia Eller’ é o contundente primeiro disco de uma das grandes intérpretes brasileiras. Cássia Eller poderia ser mais uma cantora eclética surgida naquele ano, no rastro do estrondoso sucesso de ‘MM’, álbum de estreia de Marisa Monte. Contudo, o ecletismo de Cássia passava por tribos outras, nem sempre tão populares. O repertório do LP privilegia a Vanguarda Paulista em faixas como ‘Já deu pra sentir’ (Itamar Assumpção/ Marcus Miller), ‘O dedo de Deus’ (Arrigo Barnabé/ Mário Manga) e ‘Não sei o que eu quero da vida’ (Hermelino Neder/ Arrigo Barnabé). A interpretação escancarada de ‘Rubens’, do grupo paulistano Premeditando o Breque, deixou clara a homossexualidade da cantora quando isto ainda causava espanto. O rock nacional, sucesso nos anos 1980, está representado por ‘Barraco’ (Frejat/ Jorge Salomão), e por ‘Que o Deus venha’, (Frejat e Cazuza sobre versos de Clarice Lispector). Único hit do disco, a melancólica gravação de ‘Por enquanto’, de Renato Russo, saiu de uma fita demo e se sobressai pela delicada interpretação e a levada acústica, diferente da aspereza sonora das outras faixas. As originais releituras de ‘Eleanor Rigby’, de Lennon e McCartney, em levada reggae, e de ‘Tutty Frutti’, sucesso de Little Richard, que reaparece em versão menos acelerada, atestam o peculiar gosto musical da jovem cantora. E Cássia também aparece como compositora na faixa ‘Lullaby’. Neste caldeirão musical ímpar, ainda coube ‘Otário’, uma composição do trombonista Bocato. ‘Cássia Eller’, disco no qual a cantora chuta literalmente o balde na contracapa, é o singular começo de uma artista excepcional.

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