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'Dorina canta sambas de Aldir & ouvir' atesta a fé na arte de cantar



Em sua estreia fonográfica, em 1996, Dorina já anunciava: “Eu canto samba”. A famosa composição de Paulinho da Viola deu nome ao primeiro disco da cantora carioca. De lá para cá, Dorina lançou mais sete álbuns, entre os quais, ‘Sambas de Almir’ (2003) e ‘Sambas de Luiz’ (2013), dedicados, respectivamente, às obras dos sambistas Almir Guineto e Luiz Carlos da Vila (1949 – 2008). Na noite de quinta-feira, 16 de junho de 2016, Dorina estreou seu novo show no Teatro Ziembinski, ‘Dorina canta sambas de Aldir & ouvir’ que, tomara, ganhe registro em disco. Dedicado ao letrista Aldir Blanc, que comemora 70 anos em setembro, o show traz a cantora em grande forma, surpreendendo o público ao se distanciar momentaneamente dos temas mais buliçosos de quadra e terreiro que pontuam sua discografia. Acompanhada por Paulo 7 Cordas, Ramon Araújo (violão) e Rodrigo Reis (percussão), Dorina amacia seu canto para desfiar o repertório que equilibra sucessos e joias menos conhecidas do mítico compositor tijucano, como ‘Cravo e ferradura’ (Clarisse Grova/ Cristóvão Bastos/ Aldir Blanc), música que abre o espetáculo. ‘A louca’ (Maurício Tapajós/ Aldir Blanc) mantém o clima de aparente “ineditismo”. Uma das pérolas do ótimo CD ‘Não vou pro céu, mas já não vivo no chão’ (2009), marco do retorno da antológica parceria entre Blanc e João Bosco (desativada nos anos 1980), ‘Navalha’ ganha interpretação comovente. Aliás, o canto mais interiorizado e enternecido de Dorina dá novas cores à sua apresentação. Valente, ela encara ‘Altos e baixos’ (Sueli Costa/ Aldir Blanc), ‘O cavaleiro e os moinhos’ e, no bis, ‘O bêbado e a equilibrista’, eternizadas por Elis Regina, principal voz de João e Aldir. Da dupla ainda surgem ‘O ronco da cuíca’, ‘De frente pro crime’, ‘Nação’ (c/ Paulo Emílio) e ‘Plataforma’. Sucesso de Nana Caymmi, ‘Suave veneno’ (Cristóvão Bastos/ Aldir Blanc) é outro grande momento do show. Desconhecida, ‘Na orelha do pandeiro’ (Bororó/ Lúcia Helena/ Aldir Blanc) descontrai e aproxima a cantora das habituais rodas de samba, com a exibição do músico Rodrigo Reis e do dançarino Édio Nunes, que também assina a direção artística do espetáculo. A inédita ‘Saindo à francesa’ (Moacyr Luz/ Luiz Carlos da Vila/ Aldir Blanc), emocionante homenagem ao compositor Maurício Tapajós (1943 – 1995), abre a série de canções feitas por Aldir e Moacyr Luz: ‘Flores em vida (Pra Nelson Sargento)’, ‘Anjo da Velha Guarda’, ‘Saudades da Guanabara’ (c/ Paulo César Pinheiro), ‘Mandingueiro’ e, no bis, ‘Cabô, meu pai’. A portelense ainda evoca a região da escola de samba e da coirmã, Império Serrano, em ‘Imperial’, bissexta parceria de Aldir Blanc e Wilson das Neves. Apesar do admitido nervosismo da estreia, Dorina fez um ótimo show, a altura de sua coerente carreira e da obra do homenageado. Em tempos de falsidades ideológicas e artísticas, a arte da sambista Dorina é atestado de fé no ofício de cantar a música brasileira.

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