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Quintal do Pagodinho: repetindo sucessos



Chamam-se ‘paus de sebo’ os discos que reúnem nomes ainda desconhecidos, apostas de sucesso de alguma gravadora. Um dos mais famosos exemplares, ‘Raça brasileira’ (gravadora RGE), foi lançado em 1985 e apresentou ao público Mauro Diniz, Pedrinho da Flor, Jovelina Pérola Negra e Zeca Pagodinho, entre outros. Em 2001, o já consagrado Zeca difundiu uma coletânea de compositores mais ou menos ignorados mostrando suas composições inéditas.  A primeira edição de ‘Zeca apresenta Quintal do Pagodinho’, gravado ao vivo em Xerém, trouxe quinze dos autores favoritos do sambista, recorrentes em seus discos.
Onze anos depois chega às lojas a segunda edição do projeto nas versões CD e DVD sem o frescor da original. O padrão de qualidade – leia-se produção musical de Rildo Hora – permaneceu inalterado. Por sua vez, o bem-vindo ineditismo deu lugar a sucessos pra lá de batidos.
Assim, durante as dezesseis faixas do CD (ou as vinte e quatro do DVD), o ouvinte pode ter sua atenção desviada ao tentar adivinhar quantas vezes um artista gravou determinada composição. Caso de Almir Guineto em ‘Mordomia’ (Ary do Cavaco/ Gracinha) lançado por ele em 1981, Jorge Aragão em ‘Minta meu sonho’, de 1990, e Dudu Nobre nas mais recentes ‘Vou botar meu nome na macumba’ e ‘Quem é ela’, parcerias com Pagodinho. Se Martinho da Vila tenta driblar a obviedade na seleção que une ‘Roda ciranda’, ‘Segure tudo’ e ‘Casa de bamba’, Jorge Ben Jor não se dá ao trabalho e reprisa ‘Mas que nada’. Seu Jorge e Xande de Pilares se saem bem visitando os sambas ‘Quintal do céu’ (Jorge Aragão/ Wilson Moreira) e ‘Brincadeira tem hora’ (Zeca Pagodinho/ Beto Sem Braço) respectivamente. Arlindo Cruz, Beth Carvalho e Sombrinha dividem ‘Canto de rainha’ (Sombrinha/ Arlindo), bonita homenagem a Dona Ivone Lara.
Os fornecedores de sambas preferidos de Pagodinho bisam suas participações nesta edição do ‘Quintal’ mas, no lugar de novidades, cantam os sucessos gravados por Zeca em números meramente simpáticos. O Trio Calafrio, formado por Marquinho Diniz, Luiz Grande e Barbeirinho do Jacarezinho, relembra ‘Conflito’, ‘Caviar’ e ‘Dona Esponja’. Dunga vai de ‘Letreiro’, Serginho Meriti defende suas ‘Quando eu contar (Iaiá)’ e ‘Deixa a vida me levar’. Zé Roberto exibe seus tipos gaiatos, personagens de ‘O penetra’, ‘O pai coruja’ e ‘O vacilão’. Sambista que vem se destacando nas paradas das rádios populares cariocas, Mumuzinho apresenta satisfatoriamente sua parceria com André Renato, ‘A voz do meu samba’, enquanto o anfitrião canta a única faixa inédita, ‘Em um outdoor’ (Zé Roberto e Adilson Bispo), sem a habitual categoria. Ainda que tenha seguido à risca a consagrada receita de reunir sucessos, o ‘Quintal do Pagodinho’, ao se distanciar de seu conceito original, gerou um registro agradável, mas não indispensável.

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Tô doida pra comprar e cantar muito!

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