Pular para o conteúdo principal

Caldeirão rítmico do 'Pagode Jazz' dá ótimo caldo


O mulato inzoneiro, a morena sestrosa e outros tipos descritos nas letras de Ary Barroso (1903 – 1964) gingam com a ‘Lola crioula’ (Geraldo Babão/ Roberto Mendes) ao som do novo álbum do Pagode Jazz Sardinha’s Club, lançado pela gravadora Biscoito Fino. Pregando a mestiçagem musical característica na obra do compositor mineiro, o grupo instrumental mostra, em ‘Cidade mestiça’, que “o samba é de fato legal, porque não tem o tal de preconceito”, é lugar de negros, brancos, pardos e demais cores resultantes da rica interação étnica no Brasil.
Acentuando a mistura rítmica que deu ao país o gênero musical que virou sua marca registrada, o PJSC passeia com inventividade e excelência por repertório próprio em números como ‘À queima roupa’ (Eduardo Neves/ Rodrigo Lessa), ‘Praia do pinto’ (Eduardo Neves/ Rodrigo Lessa/ Luis Louchard) e ‘Pedra verde’ (Roberto Marques).
Eles também põem na roda a ‘Morena do mar’ (Dorival Caymmi), a ‘Índia’ (J. A. Flores/ M. O. Guerreiros/ José Fortuna) e a ‘Branca’ (Zequinha de Abreu/ Duque Abramonte): À canção do mestre baiano juntam-se a guarânia paraguaia recuperada por Gal Costa nos anos 1970, e a conhecida valsa do começo do século passado.
Os envolventes arranjos criados pelos integrantes do PJSC Rodrigo Lessa (bandolim e bandarra), Roberto Marques (trombone), Eduardo Neves (saxofone e flauta), Bernardo Bosisio (violão e guitarra) e Marcos Esguleba (percussão) merecem destaque. Não é tarefa simples dar novos ares a um clássico como ‘Na Glória’ (Ary Santos/ Raul de Barros).
Esguleba ainda divide os vocais com Arlindo Cruz na faixa ‘Lola crioula’ (“tem dendê, tem dendê, as cadeiras da nega tem dendê”) e com Osvaldo Cavalo em ‘Machucando o jiló’ (Geraldo Babão). O baterista Xande Figueiredo completa o Pagode Jazz Sardinha’s Club, banda criada em 1997, que leva no nome a boêmia carioca representada pelo famoso reduto no Centro, onde é servido o popular peixe frito.
Misturando samba, choro, jazz, jongo e outros gêneros musicais em seu caldeirão, o PJSC dedica ‘Cidade mestiça’ ao músico Paulo Moura (1932 – 2010), clarinetista que tirou a poeira do choro ao conecta-lo a outras sonoridades. A receita continua rendendo ótimos caldos.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Joias musicais de Gilberto Gil são reeditadas

               A Universal Music reabre seu baú de preciosidades. Desta vez, a dona do maior acervo musical do país, traz duas joias do cantor, compositor e violonista Gilberto Passos Gil Moreira, recentemente eleito imortal pela Academia Brasileira de Letras. De 1971, o disco londrino, ‘Gilberto Gil’, reaparece em nova edição em vinil, enquanto ‘Refestança’, registro do histórico encontro de Gil e Rita Lee, de 1977, finalmente ganha versão digital.             Gravado durante o exílio do artista baiano em Londres, o quarto LP de estúdio de Gilberto Gil foi produzido por Ralph Mace para o selo Famous e editado no Brasil pela Philips, atual Universal Music. O produtor inglês também trabalhava com Caetano Veloso, que havia lançado seu primeiro disco de exílio no mesmo ano. Contrastando com a melancolia expressada por Caetano, Gil fez um álbum mais equilibrado, dosando as saudades do Brasil...

50 anos de Claridade

Clara Nunes (1942 – 1983) viu sua carreira deslanchar na década de 1970, quando trocou os boleros e um romantismo acentuado pela cadência bonita do samba, uma mudança idealizada pelo radialista e produtor musical Adelzon Alves. Depois do sucesso do LP ‘Alvorecer’, de 1974, impulsionado pelas faixas ‘Menino deus’ (Mauro Duarte/ Paulo César Pinheiro), ‘Alvorecer’ (Délcio Carvalho/ Ivone Lara) e ‘Conto de areia’ (Romildo/ Toninho Nascimento), a cantora mineira reafirmou sua consagração popular com o álbum ‘Claridade’. Lançado em 1975, este disco vendeu 600 mil cópias, um feito excepcional para um disco de samba, para uma cantora e, sobretudo, para um disco de samba de uma cantora. Traço marcante na trajetória artística e na vida de Clara Nunes, o sincretismo religioso está presente nas faixas ‘O mar serenou’ (Candeia) e ‘A deusa dos orixás’, do pernambucano Romildo e do paraense Toninho Nascimento, os mesmos autores de ‘Conto de areia’. Eles frequentavam o célebre programa no qual Adelzon...

Galeria do Amor 50 anos – Timóteo fora do armário (ou quase)

            Agnaldo Timóteo lançou o disco ‘Galeria do amor’ em 1975. Em pleno regime militar, o ídolo popular, conhecido por sua voz grandiloquente e seu temperamento explosivo, ousou ao compor e cantar a balada sobre “um lugar de emoções diferentes/ Onde a gente que é gente/ Se entende/ Onde pode se amar livremente”. A canção, que se tornaria um sucesso nacional, foi inspirada na famosa Galeria Alaska, antigo ponto de encontro dos homossexuais na Zona Sul carioca – o que passaria despercebido por boa parte de seu público conservador. O mineiro de Caratinga já havia suscitado a temática gay no disco ‘Obrigado, querida’, de 1967. A romântica ‘Meu grito’, feita por Roberto Carlos para a sua futura mulher, Nice, ganhou outras conotações na voz poderosa de Timóteo. “Ai que vontade de gritar seu nome, bem alto no infinito (...), só falo bem baixinho e não conto pra ninguém/ pra ninguém saber seu nome, eu grito só ‘meu bem'”, canta Agnaldo, que nunca assu...