Pular para o conteúdo principal

O (bom) pop superestimado de Marcelo Jeneci


Há pouco mais de uma semana chegou as minhas mãos ‘Feito pra acabar’ (Slap/ Natura Musical), o incensado disco de estreia de Marcelo Jeneci, presente em quase todas as listas de melhores do ano, em 2010. Desde então, tendo como fundo musical as 13 composições do jovem músico paulista, procuro entender o efeito causado na mídia pelo co-autor de ‘Amado’, faixa do CD ‘Sim’, lançado por Vanessa da Mata em 2007.
Produzido pelo onipresente Kassin, com arranjo de orquestra e regência do maestro Arthur Verocai, ‘Feito pra acabar’ abusa da atmosfera retrô presente na maioria dos lançamentos da ‘nova’ MPB. Esses novos nomes ensaiam uma aproximação entre a música popular dos anos 1970 (aquela que tocava nas rádios AM e tinha espaço na programação das TVs) com o som da cena índie atual. Mas a aura cool, perseguida por nove entre dez artistas em ascensão, dilui as impressões das composições, tornando difícil sua identificação pelas camadas mais populares. Fã confesso de Marcelo Camelo, Jeneci não nega a influência do hermano em sua produção musical iniciada há pouco mais de três anos, quando ouviu um disco do antigo grupo de Camelo.
A sonoridade de ‘Feito pra acabar’ é quase juvenil, como atestam ‘Copo d’água’ (Jeneci/ Arnaldo Antunes/ Pedro Baby/ Chico Salem), um iê-iê-iê do século XXI, e ‘Café com leite de rosas’ (Jeneci/ Ortinho/ Arnaldo Antunes), roquinho fofo capaz de encantar meninas românticas da zona sul.
A ensolarada (e boa) ‘Felicidade’ (Jeneci/ Chico César), faixa que abre o disco, dialoga com ‘Raindrops falling on my head’, célebre parceria de Burt Bacharach com o letrista Hal David lançada em 1969, também presente na programação de outra das rádios AM.
Consciente de suas limitações vocais, o cantor e compositor divide praticamente todas as faixas do CD com Laura Lavieri, obtendo resultado interessante quando cantam em uníssono, caso de ‘Pra sonhar’ (Jeneci).
Em ‘Quarto de dormir’ (Jeneci/ Arnaldo Antunes), ecos da produção de artistas como Odair José e Fernando Mendes são evidentes. Assim como ‘Dar-te-ei’ (Jeneci/ Helder Lopes/ Zé Miguel Wisnik/ Verônica Pessoa) é baladinha pop-setentista feita sob medida para as FMs.
Número solo de Laura, ‘Longe’ (Jeneci/ Arnaldo Antunes/ Betão Aguiar), já gravada por Arnaldo e até mesmo pelo cantor sertanejo Leonardo, continua à espera de gravação definitiva.
Marcelo Jeneci ainda pode aprimorar mais a sua boa produção musical e, quem, sabe fornecer composições para melhores intérpretes. Apesar do interessante acabamento, ‘Feito pra acabar’ não é o “último biscoito do pacote” como afirmaram alguns mais afoitos e muito menos é um disco com vocação essencialmente popular.
Termino lembrando um fato: ‘Amado’ só se tornou o sucesso nacional citado em todas as matérias sobre Jeneci, ao entrar na trilha sonora da novela ‘A favorita’ (2008) e, principalmente quando sua versão remixada minou a resistência das rádios populares – fato recorrente na carreira de Vanessa. ‘O tal casal’, música que puxa ‘Bicicletas, bolos e outras alegrias’, recente CD da cantora, continua tocando apenas nas (poucas) rádios adultas.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A voz do samba - O primeiro disco de Alcione

  “Quando eu não puder pisar mais na Avenida/ Quando as minhas pernas não puderem aguentar/ Levar meu corpo junto com meu samba/ O meu anel de bamba/ Entrego a quem mereça usar”. Ao lançar seu primeiro disco, ‘A voz do samba’, em 1975, Alcione viu os versos melancólicos de ‘Não deixe o samba morrer’ (Edson Conceição/ Aloísio Silva) ganharem o país, tornando-se o primeiro sucesso da jovem cantora. Radicada no Rio de Janeiro desde 1967, a maranhense cantava em casas noturnas que marcaram época nas noites cariocas. Nestas apresentações, seu abrangente repertório incluía diferentes gêneros da música brasileira, além de canções francesas, italianas e norte-americanas também presentes no rádio. Enquanto isso, o samba conquistava novos espaços na década de 1970. Em 1974, Clara Nunes viu sua carreira firmar-se nacionalmente com o disco ‘Alvorecer’, do sucesso de ‘Conto de areia’ (Romildo Bastos/ Toninho Nascimento). No mesmo ano, Beth Carvalho obteve seu primeiro êxito como sambista com ‘1...

Galeria do Amor 50 anos – Timóteo fora do armário (ou quase)

  Agnaldo Timóteo lançou o disco ‘Galeria do amor’ em 1975. Em pleno regime militar, o ídolo popular, conhecido por sua voz grandiloquente e seu temperamento explosivo, ousou ao compor e cantar a balada sobre “um lugar de emoções diferentes/ Onde a gente que é gente/ Se entende/ Onde pode se amar livremente”. A canção, que se tornaria um sucesso nacional, foi inspirada na famosa Galeria Alaska, antigo ponto de encontro dos homossexuais na Zona Sul carioca – o que passaria despercebido por boa parte de seu público conservador. O mineiro de Caratinga já havia suscitado a temática gay no disco ‘Obrigado, querida’, de 1967. A romântica ‘Meu grito’, feita por Roberto Carlos para a sua futura mulher, Nice, ganhou outras conotações na voz poderosa de Timóteo. “Ai que vontade de gritar seu nome, bem alto no infinito (...), só falo bem baixinho e não conto pra ninguém/ pra ninguém saber seu nome, eu grito só ‘meu bem'”, canta Agnaldo, que nunca assumiria sua suposta homossexualidade. ...

'Se dependesse de mim', um disco com a inconfundível marca de Wilson Simonal

               Lançado em 1972, ‘Se dependesse de mim’ marcou a estreia de Wilson Simonal na gravadora Philips. Ídolo inconteste nos anos 1960, Simonal buscava renovação. Para isso, os produtores Nelson Motta e Roberto Menescal optaram por um repertório essencialmente contemporâneo.             A faixa-título (Ivan Lins/Ronaldo Monteiro de Souza) traz versos simbólicos para o momento vivido por Simonal, como “Quero brisas e nunca vendavais”. O samba ‘Noves fora’ (Belchior/Fagner), gravado por Elis Regina, mas deixado de fora de seu LP de 1972, ganhou versão cheia de suingue de Simonal. ‘Expresso 2222’ (Gilberto Gil) circulava na voz de seu compositor e teve seu segundo registro, cujo arranjo passeia por diferentes ritmos. A melodiosa ‘Irmãos de sol’ (Marcos/Paulo Sérgio Valle) intui futuros dias mais bonitos. Em ‘Maria’ (Francis Hime/Vinicius de Moraes), Simonal revive a canção que defendeu ...