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Num sábado em Copacabana*


Rio - Cantor e compositor que melhor retratou a Bahia e o mar, com suas belas canções praieiras, Dorival Caymmi morreu ontem, às 5h58, em sua casa, em Copacabana, aos 94 anos, vítima de falência múltipla de órgãos. O músico baiano, que nasceu em Salvador e veio morar no Rio aos 24 anos, lutava há sete contra um câncer renal e seu estado piorou desde que sua mulher, Stella Maris, foi internada com problemas cardíacos em abril e entrou em coma, há dez dias.
Grandes nomes da MPB manifestaram sua admiração pelo mestre. “João Gilberto diz que ele é o gênio da raça. Sobre as canções dele, quem falou melhor foi Arnaldo Antunes. Ele disse que não parece coisa feita por gente”, disse Caetano Veloso. “Caymmi cantou minha terra, a Bahia, de maneira linda. É um mestre para todo os brasileiros”, afirmou Gal Costa, uma das principais intérpretes do compositor, que lançou o disco 'Gal Canta Caymmi' em 1976, chegando a se apresentar com o mestre na turnê de lançamento. A cantora e o compositor ainda se encontrariam várias vezes ao longo dos anos em sucessos como 'Modinha Para Gabriela' e 'Caminhos do Mar', que viraram temas de abertura as novelas 'Gabriela' e 'Porto dos Milagres', respectivamente.
Como narrou em uma de suas canções, Dorival pegou um Ita (embarcação que ligava norte e sul do País) e chegou ao Rio em 1938, em busca de trabalho. Foi ilustrador na revista ‘O Cruzeiro’, mas logo o violão, trazido para matar as saudades da Bahia, ganhou importância quando passou a cantar na rádio Tupi e, depois, na rádio Nacional.Se a preguiça e a manemolência de Caymmi tornaram-se sinônimo de baianidade, o sucesso veio rápido: Carmen Miranda cantou ‘O Que É Que a Baiana Tem’ no filme ‘Banana da Terra’, em 1938. A ‘Pequena Notável’ ganharia o mundo.
Ainda na rádio Nacional, conheceu a cantora Stella Maris, com quem teve três filhos: Nana, Dori e Danilo, e viveu por 68 anos. O clã dos Caymmi se tornaria um dos mais importantes da MPB. “Ele é um dos fundadores da música popular brasileira, patriarca de uma linhagem de músicos de talento. Suas canções praieiras e sambas-canção são patrimônio da cultura nacional. Sua música é uma completa tradução da Bahia”, afirmou o presidente Lula. Caymmi morreu dormindo, no prédio onde morava e podia ver o mar. Deixou, além dos filhos, cinco netos e sete bisnetos.

* Texto publicado no Jornal O Dia.

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