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Menos 'tecno' e mais ecumênica, Rita Benneditto lança 'Encanto'


Em seu novo disco, ‘Encanto’ (Manaxica/ Biscoito Fino), Rita Benneditto volta a mirar a temática religiosa afro-brasileira que vem pautando sua música desde 2003, quando estreou ‘Tecnomacumba’, show que deu origem ao CD com versões de estúdio, em 2006, e ao DVD/CD ao vivo, em 2009. Menos “tecno” desta vez, a maranhense pisa firme no terreiro que reveste de contemporaneidade. Mais ecumênica, apurando sua pesquisa de repertório, interessante desde a estreia fonográfica, em 1997, Rita expande conceitos, alinhando um nada óbvio Djavan (‘Água’), um hit de Roberto e Erasmo Carlos (‘Fé’) – e até mesmo um tema afro-brasileiro captado por Heitor Villa-Lobos (‘Estrela é lua nova’) – e pontos (cânticos) da Umbanda e do Candomblé adaptados por ela e pelo multi-instrumentista Felipe Pinaud, produtor do CD ao lado de Lancaster Lopes (baixo/ programações). Experimentando, criando junções inusitadas e sugerindo novos sentidos às canções, Rita exercita sua liberdade artística, conectando, por exemplo, ‘Santa Clara’ (Jorge Ben Jor) à Iansã, orixá tradicionalmente ligado à Santa Bárbara no sincretismo religioso nacional. Sucesso de Ângela Maria em 1958, ‘Babalu’ (Margarita Lecuona) ressurge repaginado paras as pistas de dança. Do repertório da Sapoti, Rita já havia pinçado outro hit radiofônico, ‘Moça bonita’ (Jair Amorim/ Evaldo Gouveia), para o CD ‘Comigo’ (2001) – as ondas do rádio popular, ouvido na infância, no Maranhão natal, sempre ecoaram em seus trabalhos. Há, também, inéditas, como a boa ‘Guerreiro do mar’ (Marcio Local/ Felipe Pinaud) que vincula mitologias de Ogum e de Iemanjá. Entrelaçando tudo, saudações à Jurema, entidade já presente no disco de estreia da cantora, com a adaptação do ponto ‘Jurema’.
Num país coalhado de cantoras, muitas medianas, outras nem isso, a voz firme, sem vibratos, de Rita Benneditto é um luxo que dispensa maiores interferências. Suas interpretações realçam músicas conhecidas como ‘Extra’ (Gilberto Gil) e ‘Banho de Manjericão’ (João Nogueira/ Paulo César Pinheiro), esta última gravada originalmente por Clara Nunes (1942 – 1983), cantora-ícone do segmento musical em que Rita vem se firmando. Contudo, as duas faixas apresentam intervenções de convidados, que soam dispensáveis após algumas audições por marcarem demais as músicas. Neste sentido, as participações de Frejat (guitarra) em ‘De mina’ (Josias Sobrinho) e de Arlindo Cruz na inédita ‘O que é dela é meu’ (Arlindo Cruz/ Marcelinho Moreira/ Rogê) soam mais coesas. O presente do sambista carioca, que costuma saudar os orixás em algumas composições, abre caminho para a maranhense frequentar outros terreiros musicais. O novo CD de Rita Benneditto encantará muita gente, sobretudo os fãs arregimentados em mais de dez anos de ‘Tecnomacumba’, entretanto admiradores mais antigos sentirão falta da cantora de álbuns não temáticos e mais diversificados do início de sua carreira. Tal como a flecha da cabocla Jurema, o canto de Rita pode – e deve – seguir além e acertar novos alvos.

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