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Vila Isabel, Portela e Salgueiro são destaques do CD 'Sambas de enredo 2014'

Gravado ao vivo na Cidade do Samba, com produção de Laíla e Mário Jorge Bruno, com arranjos de Alceu Maia e Jorge Cardoso, o CD ‘Sambas de enredo 2014’ (Universal Music) apresenta bons momentos, bisando as apostas que, há três anos, colocam Unidos de Vila Isabel e Portela, desta vez com a Acadêmicos do Salgueiro também no páreo, como as melhores agremiações no quesito samba de enredo. O coro, excessivamente utilizado em todas as faixas, incomoda menos do que as apresentações feitas pelos carnavalescos no início das faixas, má ideia que atrapalha a sequência dos sambas.
‘Retratos de um Brasil plural’, belo samba da atual campeã do Carnaval carioca, Unidos de Vila Isabel, traz novamente as assinaturas de Arlindo Cruz e André Diniz, além de Evandro Bocão, Professor Wladimir, Artur das Ferragens e Leonel sem, no entanto, alcançar a qualidade de outros anos. Após oito anos defendendo as cores da Portela, o excelente Gilsinho estreia na Vila com a categoria habitual. Mesmo sem a poderosa voz de seu antigo intérprete, a Portela se sobressai com ‘Um Rio de mar a mar: do Valongo à glória de São Sebastião’ (Toninho Nascimento/Luiz Carlos Máximo/Waguinho/Edson Alves/J. Amaral) que, apesar de não superar o samba do ano passado, traz versos inspirados como “A ilusão é uma atriz/ Se exibindo na praça linda e feliz”.
A Acadêmicos do Salgueiro volta aos temas afros, tão caros à sua história. ‘Gaia, a vida em nossas mãos’ (Xande de Pilares/Dudu Botelho/Miudinho/Betinho de Pilares/Rodrigo Raposo/Jassa) não é um samba de empolgação, daqueles que caracterizam recentes desfiles da escola, contudo é emocionante. É samba que tem tudo para crescer e acontecer na Avenida e fazer a vermelho-branco brilhar, com a bênção dos Orixás. A herança africana também está presente em ‘Batuk’ (Márcio André/Vaguinho/Marcão Meu Rei/Alexandre Alegria/Rono Maia/Karine Santos), samba de enredo que marca o retorno da Império da Tijuca ao Grupo Especial do Carnaval carioca, após 18 anos.  “Vai tremer o chão, vai tremer” avisam os versos do principal refrão do hino bem interpretado por Pixulé.
‘A festança brasileira cai no samba da Mangueira’ (Lequinho/Junior Fionda/Paulinho Carvalho/Flavinho Horta/Igor Leal) é o eficiente hino da Estação Primeira. A melhor novidade é Luizito como único intérprete. 
Depois do constrangedor enredo sobre o Rock in Rio em 2013 a Mocidade Independente de Padre Miguel se redime ao falar sobre Fernando Pinto (1945 – 1987), carnavalesco que assinou desfiles inesquecíveis: ‘Como era o verde meu Xingu’ (1983) e ‘Tupinicópolis’ (1987), entre outros. ‘Pernambucópolis’ (Dudu Nobre/Jefinho Rodrigues/Marquinho Índio/Jorginho Medeiros/Gabriel Teixeira/Diego Nicolau) é um bom samba que pode recolocar a grande escola verde-e-branca nos trilhos.
Imperatriz Leopoldinense e União da Ilha do Governador apresentam sambas leves, satisfatórios. Enquanto a escola do subúrbio de Ramos canta a vida de Zico, em ‘Arthur X – O reino do galinho de ouro na corte da Imperatriz’ (Elymar Santos/Guga/Tião Pinheiro/Gil Branco/Me Leva), a Ilha tenta reviver seus tempos de leveza e popularidade com ‘É brinquedo, é brincadeira, a ilha vai levantar poeira’ (Paulinho Poeta/Régis/Gabriel Fraga/ Carlinhos Fuzileiro/Canindé/Flávio Pires). Ito Melodia não nega a descendência e novamente valoriza o hino da simpática agremiação.
A São Clemente não foge dos clichês em ‘Favela’ (Ricardo Góes/Serginho Machado/Naldo/ Grey/Anderson Benson/FM/Flavinho Segal), enquanto a Beija-Flor de Nilópolis tenta em vão injetar poesia no enredo sobre José Bonifácio de Oliveira Sobrinho. Com ‘O astro iluminado da comunicação brasileira’ (Jr. Beija-Flor/Sidney de Pilares/Junior Trindade/Adilson Brandão/Zé Carlos/Diogo Rosa/Carlinhos Careca/Samir Trindade), dos versos “Boni, tu és o astro da televisão”, é melhor esperar pelo enredo de 2015...
A Unidos da Tijuca apresenta um samba funcional que será esquecido logo em seguida. ‘Acelera, Tijuca!’ (Caio Alves/ Fadico/Gustavinho Oliveira/Tinguinha) mistura a Corrida Maluca, Ayrton Senna em versos pobres como “Dos animais, agilidade/ A inspirar velocidade”. Por fim, ‘Verdes olhos de Maysa sobre o mar, no caminho: Maricá’ (Deré/Robson Moratelli/Rafael Ribeiro/Hugo da Grande Rio/Toni Vietnã), samba da Acadêmicos do Grande Rio se apoia em refrãos interessantes sem conseguir desenvolver o confuso enredo sobre a cantora Maysa e sua cidade natal. Na média, a safra de sambas de enredo para o Carnaval 2014 é satisfatória, embora não apresente nenhuma obra-prima que entre numa antologia do gênero. 

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