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Entre batuques e romances, Arlindo faz ótimo show

Muita gente se retirava do Citibank Hall quando os inconfundíveis acordes de ‘Andança’ anunciaram a presença de Beth Carvalho no palco da casa de espetáculos da Barra da Tijuca, já na madrugada de domingo, 11 de setembro de 2011. A anunciada participação da madrinha do samba no show ‘Batuques e romances’, de Arlindo Cruz, só aconteceu após o tempo regulamentar, nos acréscimos da partida.
Ao entrar em campo às 22h45, acompanhado das crianças do Jongo da Serrinha, citando versos de Noel Rosa e Vadico (‘Feitio de oração’) e convidando o público, ‘Seja sambista também’ (Arlindo Cruz/ Sombrinha), Arlindo enfileirou sambas inspirados nos costumes das religiões afro-brasileiras. Lançado em 1988 pelo grupo Fundo de Quintal, ‘Banho de fé’ (Arlindo Cruz/ Sereno/ Sombrinha) precedeu ‘Pelo litoral’ (Arlindo Cruz/ Acyr Marques/ Rogê), buliçosa faixa do novo álbum. De outro imperiano de fé, Beto Sem Braço (1940 – 1993), vieram ‘Ô Irene’ e ‘Deixa a fumaça entrar’.
Primeira faixa do CD ‘Batuques e romances’ a ser tocada nas rádios, ‘O bem’ (Arlindo Cruz/ Délcio Carvalho) mereceu belo momento, com direito a imagens de personalidades como Gandhi (1869 – 1948), Mãe Menininha do Gantois (1894 – 1986), Dalai Lama e Madre Teresa de Calcutá (1910 – 1997).
Como bom malandro, Arlindo também sabe das coisas do coração. Soou sedutora a sequência ‘Quando falo de amor’ (Arlindo Cruz/ Fred Camacho/ Almir Guineto), ‘Meu poeta’ (Arlindo Cruz/ Jr. Dom/ Zeca Pagodinho), ‘Ainda é tempo pra ser feliz’ (Sombra/ Arlindo Cruz/ Sombrinha), ‘O que é o amor’ (Arlindo Cruz/ Maurição/ Fred Camacho) e ‘Será que é amor’ (Arlindo Cruz).
Compositor de mais de 600 músicas, requisitado por bambas e por aspirantes a tal, Arlindo Cruz relembrou sucessos gravados pelo Grupo Revelação (‘A pureza da flor’), pelo finado Soweto (‘Estrela da paz’) e por Beth Carvalho (‘Dor de amor’, ‘Camarão que dorme a onda leva’). Sem preconceitos, o sambista parceiro de Marcelo D2 apresentou um samba inédito, fruto da recém-estabelecida parceria com Lenine. O pernambucano bem que tentou manter a temperatura em alta em seu número solo, ‘Aquilo que dá no coração’, mas foi o ótimo ‘Bancando o durão’ (Arlindo Cruz/ Jr. Dom/ Maurição) que fez o clima esquentar novamente ao reproduzir a sonoridade sincopada das gafieiras.
O público pode assistir ao reencontro artístico de Arlindo Cruz e Sombrinha que voltaram a compor juntos depois de uma década. Feita por encomenda para a novela das 21h, ‘O nome dela é Griselda’ (Zeca Pagodinho/ Arlindo Cruz/ Sombrinha) é samba que certamente ficará restrito ao público do folhetim. Contudo esse título menor não desmerece a longa lista de excelentes composições da dupla.
Entre a regravação de ‘Meu nome é favela’ (Rafael Delgado) e o delírio provocado pelo hino a Madureira, ‘Meu lugar’ (Arlindo Cruz/ Mauro Diniz), Arlindo rendeu tributo a Dona Ivone Lara (‘Alguém me avisou’ e ‘Sonho meu’) – grande dama do samba que será homenageada pelo Império Serrano no desfile do Carnaval 2012 – e trouxe de volta ao palco os meninos do Jongo da Serrinha. Encerrando o show, o ‘Batuqueiro’ (Arlindo Cruz/ Fred Camacho/ Marcelinho Moreira) Arlindo envergou paletó de linho branco e chapéu de Panamá para reverenciar Seu Zé, entidade da Umbanda identificada com a malandragem carioca e, por tabela, com o samba, em ‘Meu cumpadre’ (Élcio do Pagode/ Dido do Cavaco).
‘Batuques e Romances’ atesta a qualidade artística deste grande sambista que estreou profissionalmente tocando cavaquinho em um disco do genial Candeia. Se o show tem que continuar, Arlindo Cruz é garantia inconteste.

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