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Aline Calixto não escapa de clichês em 'Flor Morena'


Carioca radicada em Minas Gerais, Aline Calixto estreou sob as bênçãos de bambas como Monarco, Walter Alfaiate (1930 – 2010) e Wilson Moreira. Produzido por Leandro Sapuchay – que assinou os vitoriosos discos de Arlindo Cruz (‘Sambista perfeito’) e Maria Rita (‘Samba meu’) – o primeiro álbum foi eleito “Disco do Ano” pela Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA) em 2009. No ano seguinte, a moça foi indicada em duas categorias no Prêmio de Música Brasileira: melhor “Cantora de Samba” e melhor “Cantora por Voto Popular”.
Ao pisar os terreiros mineiros, cariocas e baianos, Aline Calixto refaz, em ‘Flor morena’ (WEA), a trilha percorrida em seu trabalho anterior. Contudo, é clara a intenção de aproximar o samba de Aline da melhor produção do gênero feita no Rio de Janeiro. Arlindo Cruz, Zeca Pagodinho e Jr Dom assinam a boa faixa-título, escolhida para divulgar o álbum. A ‘Gemada carioca’ de Martinho da Vila traduz em samba calangueado a árvore genealógica da cantora.
Presente no primeiro disco de Aline com o belíssimo ‘Retrato da desilusão’ (com Monarco), Mauro Diniz assina ‘Me deixa que eu quero sambar’, outro samba da refinada grife da família portelense. Ainda na seara da azul e branca de Oswaldo Cruz, a regravação de ‘Coração vulgar’ (Paulinho da Viola) soa desbotada. Dona da voz afinada, porém de timbre comum, Aline também parece trivial em ‘Ecumenismo’ (Moacyr Luz/ Nei Lopes) e ‘Caçuá’ (Edil Pacheco/ Paulo César Pinheiro), canções que necessitam de nuances interpretativas para valorizar suas letras.
'Flor morena' perfila os clichês do samba contemporâneo, muitos deles incorporados a partir da “redescoberta” do gênero musical, feita pela geração de artistas que ocupou a Lapa carioca a partir dos anos 1990. A produção musical hoje busca garantias na tradição. Assim, em tempos de tablets, iPods e iPhones, os prosaicos candeeiros, caçuás e alguidares surgem em letras recorrentes. Não há cantora de samba que não saúde as divindades afro-brasileiras em seu repertório. A Bahia continua oferecendo acarajés, abarás e demais quitutes para sambas requentados.
Faixas como ‘Cabila’ (Peu Meurray/ Leonardo Reis) e ‘Cafuso’ (Toninho Geraes/ Toninho Nascimento) não encontram embasamento no canto de Aline. Os clichês dão a tônica em ‘Reza forte’ (Rodrigo Maranhão e Mauro Reza): “Eu vim de lá, de Minas/ trazendo ouro eu trouxe ouro em pó”, dizem os versos em óbvia referência a ‘Quando eu vim de Minas’ (Xangô da Mangueira), gravado pela mineira Clara Nunes. A letra ainda escorrega na batida “nobreza suburbana”.
O trabalho seria mais coeso com onze ou doze faixas no lugar das 14 apresentadas. O CD traz uma arte gráfica equivocada. O leitor mal consegue ler as minúsculas letras. Para piorar alguém teve a “genial” ideia de inverter a grafia de algumas consoantes, transformando “s” em “z”.
O segundo disco de Aline Calixto prova que ela foi bem aceita nos melhores terreiros e fundos de quintais onde é feito samba da maior qualidade. Reunindo canções inéditas de gente bamba, Aline tem o mérito de não se refugiar nos clássicos, expediente usual das cantoras da Lapa. Oxalá consiga imprimir mais personalidade em seu canto.

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