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Roteiro impecável se impõe no show 'Abraçaço', de Caetano Veloso


Diante de uma plateia heterogênea e bastante receptiva, que elevou ainda mais a temperatura do Circo Voador na noite de sexta-feira, 22 de março de 2013, Caetano Veloso subiu ao palco da famosa tenda armada na Lapa carioca para a segunda apresentação de seu novíssimo show, ‘Abraçaço’. Acompanhado por Pedro Sá (guitarrista), Marcelo Callado (baterista) e Ricardo Dias Gomes (baixista) – a BandaCê – o baiano incluiu no impecável roteiro nove das onze canções do CD homônimo (clique aqui para ler a resenha), lançado em dezembro de 2012. Sem economizar munição, Caetano ganha o jogo logo nos primeiros acordes de ‘A Bossa Nova é foda’, petardo cujo refrão vira grito de guerra na boca de jovens nascidos décadas depois do surgimento do famoso movimento musical. Na sequência, a sedutora bossa ‘Lindeza’ (‘Circuladô’, 1991) e o “pagode romântico” ‘Quando o galo cantou’ mostram insuspeitadas ligações estéticas. Se ‘Um abraçaço’ perde um pouco do seu viço no espetáculo, a hipnótica ‘Parabéns’ mantém sua pegada irresistível, graças (também) a atuação dos músicos. A BandaCê imprime sua identidade sonora em números como ‘Alexandre’ (‘Livro’, 1997), ‘Império da lei’ e ‘Eclipse oculto’ (‘Uns’, 1983) – esta, acompanhada em uníssono por um público delirante.
Os elos entre canções aparentemente distintas dão forma ao show. Depois da ralentada ‘Um comunista’ – ouvida atentamente pela plateia – os versos de ‘Triste Bahia’, poema de Gregório de Mattos musicado no disco ‘Transa’ (1972), precedem a melancolia de ‘Estou triste’. Senhora de tais momentos, a tristeza, que ainda reaparece em ‘Mãe’ (1978), é expiada na veemência de ‘Odeio’, faixa do CD ‘Cê’ (2006), de onde também foram pinçadas as igualmente incisivas ‘Homem’ e ‘Outro’. A poesia de cada dia, desejada por Oswald de Andrade em ‘Escapulário’ (‘Joia’, 1975) desemboca na contemporaneidade do ‘Funk melódico’. ‘Reconvexo’ (1989) e ‘Você não entende nada’ (‘Chico e Caetano’, 1972) encerram o show explicitando a vontade do artista em seguir acompanhado pela – a esta altura – completamente seduzida plateia. O que ficou ainda mais evidente com a inclusão de ‘Um índio’ (‘Bicho’, 1977) no bis, como forma de protesto à retirada dos ocupantes de um antigo casarão abandonado, no bairro do Maracanã. ‘A luz de Tieta’ (‘Tieta do agreste’, 1996) é cantada a plenos pulmões pelo Circo Voador, antes de Caetano dar seu recado final, prenunciando novos rumos, em ‘Outro’: “Você nem vai me reconhecer/ quando eu passar por você”. Se mantiver a organicidade e a qualidade musical que pontua sua vitoriosa carreira, nós vamos sim.  

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