Pular para o conteúdo principal

'Jam session', o melhor DVD de Alcione


Lançados em outubro deste ano, o CD e o DVD ‘Jam session’ fazem parte do projeto ‘Duas faces’ concebido para comemorar os 40 anos de carreira de Alcione que inclui ainda o CD e o DVD ‘Ao vivo na Mangueira’, com lançamento previsto para janeiro de 2012. Primeiro produto do selo da artista, Marrom Music, distribuído pela gravadora Biscoito Fino, ‘Jam session’ reúne companheiros de ofício em belos duetos, canções de sotaques internacionais, lados B da discografia da cantora, além de inéditas em sua voz.
Acompanhada por Alexandre Menezes (teclados), Alvinho Santos (violão), Ricardo Cordeiro (baixo), Paulo Bogato (bateria), Luizão Ramos (sax/ flauta), Edmílson Nazareth (percussão) e Edson Santana (cavaquinho/ bandolim) – a Banda do Sol – Alcione registrou as 18 faixas em sua própria residência em sessões (quase) informais. O resultado é um DVD primoroso, o melhor já feito pela cantora, que não poupa talento, exibindo a potente voz em grande forma, valorizando cada canção.
Gravada originalmente no álbum ‘Emoções reais’ (1990), ‘Duas faces’ (Altay Veloso), música que dá nome ao projeto, reaparece em registro sedutor embalado pelo arranjo de Alexandre Menezes. Ela recupera ‘O sono dos justos’ (Marcio Proença/ Rodrigo Sestrem), samba de boa cepa indevidamente ignorado no CD ‘Acesa’ (2009) e esbanja suingue e musicalidade em ‘Mesa de bar’ (Gonzaguinha), pérola de ‘Fogo da vida’ (1985).
Desde a arrebatadora versão de ‘Tanto que aprendi de amor’, no disco ‘Promessa’ (1991), Alcione vem gravando com brilho composições de Fátima Guedes. ‘Passional’ vem juntar-se à lista da qual fazem parte ‘Sete véus’ (‘Tempo de guarnicê’, 1996) e ‘Condenados’ (‘Ao vivo’, 2002). E faz pensar que a cantora poderia gravar um disco só com músicas de Fátima Guedes.
Boa surpresa é a inclusão de ‘Quem já esteve só’, parceria de Ivor Lancellotti e Paulo César Pinheiro lançada no obscuro CD de estreia da cantora Beth Nazar, ‘Dia a dia’ (2000). Quem já esteve só/ sabe o desânimo que a noite traz/ Ouve o barulho que o relógio faz/ tornando a solidão muito maior”, dizem os densos versos que encontraram na voz grave e passional de Alcione a intérprete perfeita.
Passionalidade que faz parte da tradição do canto feminino na música brasileira e que tem em Ângela Maria um de seus ícones. Os vibratos da Sapoti reverberam – em maior ou menor intensidade – no canto de estrelas como Fafá de Belém e Alcione, que foi buscar no repertório da veterana diva a bela ‘Rua sem sol’ (Mário Lago/ Henrique Gandelman). Em sua carreira Marrom atualizou os personagens sofridos, ainda que providos de alguma malícia, cantados por Ângela, dando prosseguimento à mitologia das (populares) cantoras do rádio. Ainda neste universo, ‘Até as lágrimas’ (Benil Santos/ Raul Sampaio), samba-canção lançado por Elizeth Cardoso em 1964, ganha versão à altura de sua intérprete original, outra influência assumida por Alcione.
As belas Comme Ils Disent’, sucesso de Charles Aznavour em 1972, ‘Passione eterna’, hit do cantor italiano Mario Merola, e ‘Todavia’, de Armando Manzanero atestam a categoria da grande cantora que expressa sua emoção independentemente do idioma. Mas é na versão de ‘Estate’ que Alcione soa arrasadora. O bolero italiano entra em ebulição, se distanciando da clássica versão bossanovística de João Gilberto.
Os duetos mantêm elevado o nível do registro audiovisual. Maria Bethânia exibe a categoria habitual em ‘Sem mais adeus’ (Francis Hime/ Vinicius de Moraes), relembrando os encontros com Alcione que vem acontecendo desde ‘O meu amor’ (Chico Buarque) em ‘Álibi’ (1978). Cada vez mais refinado, Emílio Santiago valoriza, ao lado da Marrom, a letra menos inspirada de ’40 anos’ (Altay Veloso/ Paulo César Feital). O encontro com Djavan soa simpático e harmonioso, embora ‘Capim’ (Djavan) pudesse ser mais estudada pela cantora – nada que tire o brilho do dueto. Irresistíveis são os números com um inusitado Lenine (‘Evolução’, João Cavalcante de Albuquerque) e com Martinho da Vila (‘Ilha de maré’, Walmir Lima e Lupa/ ‘Ciranda de roda’, Martinho da Vila).
Propositadamente deixei para comentar no final o grande momento de ‘Jam session’: o dueto de Alcione e Áurea Martins. A tarimbada cantora que fez seu nome nos palcos da noite carioca dá uma emocionante interpretação ao samba-canção ‘Pela rua’ (Dolores Duran/ J. Ribamar), ao lado de Alcione.  Reconhecida por sua generosidade, a estrela maranhense brilha ainda mais ao jogar luz sobre a colega dos primeiros anos de carreira.
Alterando vários estilos musicais presentes em sua vitoriosa trajetória, ‘Jam session’ expõe não uma ou duas, mas muitas faces de Alcione.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Joias musicais de Gilberto Gil são reeditadas

               A Universal Music reabre seu baú de preciosidades. Desta vez, a dona do maior acervo musical do país, traz duas joias do cantor, compositor e violonista Gilberto Passos Gil Moreira, recentemente eleito imortal pela Academia Brasileira de Letras. De 1971, o disco londrino, ‘Gilberto Gil’, reaparece em nova edição em vinil, enquanto ‘Refestança’, registro do histórico encontro de Gil e Rita Lee, de 1977, finalmente ganha versão digital.             Gravado durante o exílio do artista baiano em Londres, o quarto LP de estúdio de Gilberto Gil foi produzido por Ralph Mace para o selo Famous e editado no Brasil pela Philips, atual Universal Music. O produtor inglês também trabalhava com Caetano Veloso, que havia lançado seu primeiro disco de exílio no mesmo ano. Contrastando com a melancolia expressada por Caetano, Gil fez um álbum mais equilibrado, dosando as saudades do Brasil...

50 anos de Claridade

Clara Nunes (1942 – 1983) viu sua carreira deslanchar na década de 1970, quando trocou os boleros e um romantismo acentuado pela cadência bonita do samba, uma mudança idealizada pelo radialista e produtor musical Adelzon Alves. Depois do sucesso do LP ‘Alvorecer’, de 1974, impulsionado pelas faixas ‘Menino deus’ (Mauro Duarte/ Paulo César Pinheiro), ‘Alvorecer’ (Délcio Carvalho/ Ivone Lara) e ‘Conto de areia’ (Romildo/ Toninho Nascimento), a cantora mineira reafirmou sua consagração popular com o álbum ‘Claridade’. Lançado em 1975, este disco vendeu 600 mil cópias, um feito excepcional para um disco de samba, para uma cantora e, sobretudo, para um disco de samba de uma cantora. Traço marcante na trajetória artística e na vida de Clara Nunes, o sincretismo religioso está presente nas faixas ‘O mar serenou’ (Candeia) e ‘A deusa dos orixás’, do pernambucano Romildo e do paraense Toninho Nascimento, os mesmos autores de ‘Conto de areia’. Eles frequentavam o célebre programa no qual Adelzon...

Galeria do Amor 50 anos – Timóteo fora do armário (ou quase)

            Agnaldo Timóteo lançou o disco ‘Galeria do amor’ em 1975. Em pleno regime militar, o ídolo popular, conhecido por sua voz grandiloquente e seu temperamento explosivo, ousou ao compor e cantar a balada sobre “um lugar de emoções diferentes/ Onde a gente que é gente/ Se entende/ Onde pode se amar livremente”. A canção, que se tornaria um sucesso nacional, foi inspirada na famosa Galeria Alaska, antigo ponto de encontro dos homossexuais na Zona Sul carioca – o que passaria despercebido por boa parte de seu público conservador. O mineiro de Caratinga já havia suscitado a temática gay no disco ‘Obrigado, querida’, de 1967. A romântica ‘Meu grito’, feita por Roberto Carlos para a sua futura mulher, Nice, ganhou outras conotações na voz poderosa de Timóteo. “Ai que vontade de gritar seu nome, bem alto no infinito (...), só falo bem baixinho e não conto pra ninguém/ pra ninguém saber seu nome, eu grito só ‘meu bem'”, canta Agnaldo, que nunca assu...