Pular para o conteúdo principal

O refinado encontro de Joyce e Tutty Moreno


Para celebrar 30 anos de um casamento musical/amoroso, Joyce e o baterista Tutty Moreno resolveram dividir o primeiro disco conjunto. Lançado originalmente em fevereiro de 2007, pelo selo inglês Far Out, o álbum ‘Samba-jazz & outras bossas’ foi reeditado em território nacional pela gravadora Biscoito Fino, em dezembro passado, com nova capa e faixa-bônus. Na nova versão do CD, ganhou letra o choro ‘Garoto’, feito por ela em homenagem ao compositor e violonista nascido Aníbal Sardinha (1915 – 1955).
Como o nome indica, o álbum é recheado de irresistível balanço típico dos anos 1960. Predominantes, as faixas instrumentais são valorizadas por vocalizes vivazes de Joyce, que divide os azeitados arranjos com Nailor Proveta, a direção e produção musicais com Tutty Moreno.
Ao violão sincopado de Joyce e à bateria precisa de Tutty somam-se instrumentistas de primeira linha – Jorge Helder (baixo), Hélio Alves (piano), Nailor Proveta (sax alto), Teço Cardoso (sax barítono), Vittor Santos (trombone), Jessé Sadoc (trompete), Lula Galvão (violão). O casal ainda conta com a participação afetiva de Dori Caymmi, responsável pelo arranjo da versão personalíssima de ‘Berimbau’ (Baden Powell/ Vinicius de Moraes). Em 1968, Dori e o maestro Gaya foram os arranjadores do primeiro disco da cantora de sotaque bossa-novístico surgida durante o efervescente Tropicalismo.
Outro clássico visitado, ‘Devagar com a louça’ (Luiz Reis/ Haroldo Barbosa) reitera a leveza do canto de Joyce, que manteve o frescor e aprimorou o suingue em seus 43 anos de carreira e nas décadas que constituem suas ‘Bodas de vinil’ (Joyce) com o baterista baiano. Na faixa ‘Feijão com arroz’ (Joyce), Tutty retoma o sax (alto), um de seus instrumentos originais (o primeiro foi o trompete).
Personagem de destaque no polêmico debate sobre direitos autorais que voltou às páginas dos jornais e às rodas de bate papo de diferentes classes socioculturais desde que Ana de Holanda assumiu o Ministério da Cultura, Joyce apresenta ‘Compositor’, pertinente parceria com Paulo César Pinheiro, que lista as dificuldades passadas por aqueles que querem viver de música. O balanço cheio de bossa continua em ‘Sabe quem?’, samba inédito, parceria com Zé Renato.
Descoberta pelos DJs europeus, que levaram sua música para as pistas de dança nos anos 1990, Joyce recria a sofisticada ‘April child’ (Moacyr Santos/ Raymond Evans/ Jay Livingstone) e endossa a naturalmente suingada ‘Embalo’, do pianista argentino Tenório Jr., desaparecido durante o regime militar em seu país de origem.
Quatro anos após seu lançamento internacional, ‘Samba-jazz & outras bossas’ soa atemporal como a obra de seus intérpretes, um casal que fez da celebração de seu encontro amoroso/musical um registro de refinada beleza.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A voz do samba - O primeiro disco de Alcione

  “Quando eu não puder pisar mais na Avenida/ Quando as minhas pernas não puderem aguentar/ Levar meu corpo junto com meu samba/ O meu anel de bamba/ Entrego a quem mereça usar”. Ao lançar seu primeiro disco, ‘A voz do samba’, em 1975, Alcione viu os versos melancólicos de ‘Não deixe o samba morrer’ (Edson Conceição/ Aloísio Silva) ganharem o país, tornando-se o primeiro sucesso da jovem cantora. Radicada no Rio de Janeiro desde 1967, a maranhense cantava em casas noturnas que marcaram época nas noites cariocas. Nestas apresentações, seu abrangente repertório incluía diferentes gêneros da música brasileira, além de canções francesas, italianas e norte-americanas também presentes no rádio. Enquanto isso, o samba conquistava novos espaços na década de 1970. Em 1974, Clara Nunes viu sua carreira firmar-se nacionalmente com o disco ‘Alvorecer’, do sucesso de ‘Conto de areia’ (Romildo Bastos/ Toninho Nascimento). No mesmo ano, Beth Carvalho obteve seu primeiro êxito como sambista com ‘1...

Joias musicais de Gilberto Gil são reeditadas

               A Universal Music reabre seu baú de preciosidades. Desta vez, a dona do maior acervo musical do país, traz duas joias do cantor, compositor e violonista Gilberto Passos Gil Moreira, recentemente eleito imortal pela Academia Brasileira de Letras. De 1971, o disco londrino, ‘Gilberto Gil’, reaparece em nova edição em vinil, enquanto ‘Refestança’, registro do histórico encontro de Gil e Rita Lee, de 1977, finalmente ganha versão digital.             Gravado durante o exílio do artista baiano em Londres, o quarto LP de estúdio de Gilberto Gil foi produzido por Ralph Mace para o selo Famous e editado no Brasil pela Philips, atual Universal Music. O produtor inglês também trabalhava com Caetano Veloso, que havia lançado seu primeiro disco de exílio no mesmo ano. Contrastando com a melancolia expressada por Caetano, Gil fez um álbum mais equilibrado, dosando as saudades do Brasil...

Galeria do Amor 50 anos – Timóteo fora do armário (ou quase)

  Agnaldo Timóteo lançou o disco ‘Galeria do amor’ em 1975. Em pleno regime militar, o ídolo popular, conhecido por sua voz grandiloquente e seu temperamento explosivo, ousou ao compor e cantar a balada sobre “um lugar de emoções diferentes/ Onde a gente que é gente/ Se entende/ Onde pode se amar livremente”. A canção, que se tornaria um sucesso nacional, foi inspirada na famosa Galeria Alaska, antigo ponto de encontro dos homossexuais na Zona Sul carioca – o que passaria despercebido por boa parte de seu público conservador. O mineiro de Caratinga já havia suscitado a temática gay no disco ‘Obrigado, querida’, de 1967. A romântica ‘Meu grito’, feita por Roberto Carlos para a sua futura mulher, Nice, ganhou outras conotações na voz poderosa de Timóteo. “Ai que vontade de gritar seu nome, bem alto no infinito (...), só falo bem baixinho e não conto pra ninguém/ pra ninguém saber seu nome, eu grito só ‘meu bem'”, canta Agnaldo, que nunca assumiria sua suposta homossexualidade. ...