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Mariene de Castro visita o terreiro de Clara Nunes no DVD 'Ser de luz'


Cinco meses após o lançamento do ótimo CD ‘Tabaroinha’, a cantora baiana Mariene de Castro subiu ao palco do Espaço Tom Jobim, no Rio de Janeiro, em outubro de 2012, para gravar ‘Ser de luz – uma homenagem a Clara Nunes’. O show que reúne dezesseis sucessos da mineira chega às lojas em CD e DVD pela gravadora Universal Music, em parceria com o Canal Brasil. Cantora vivaz, Mariene consegue driblar a cilada dos tributos oportunistas, tão comuns ultimamente. Apesar do figurino inspirado na iconografia da homenageada, e da presença das pastoras da Velha Guarda da Portela, ela não imita Clara Nunes (1942 – 1983) e imprime personalidade em clássicos como ‘Minha missão’ (Paulo César Pinheiro/ João Nogueira, 1981) e ‘Morena de Angola’ (Chico Buarque, 1980), auxiliada pelos bons arranjos assinados por Alceu Maia, embora não apresente nenhuma interpretação arrebatadora.
Não é a primeira vez que boa parte das canções presentes no roteiro de ‘Ser de luz’ ressurge em um projeto dedicado à sambista que saiu de cena prematuramente. Em 1999 Alcione gravou, também pela Universal Music, o CD ‘Claridade – Uma homenagem a Clara Nunes’, incluindo a menos óbvia ‘À flor da pele’ (Maurício Tapajós/ Clara Nunes/ Paulo César Pinheiro, 1977), as belíssimas ‘Alvorecer’ (Ivone Lara/ Délcio Carvalho, 1974) e ‘As forças da natureza’ (Paulo César Pinheiro/ João Nogueira, 1977), além de ‘Mineira’ (Paulo César Pinheiro/ João Nogueira, 1975). Alcione, aliás, seria uma excelente participação especial no show, certamente muito melhor do que as presenças burocráticas de Zeca Pagodinho, em ‘Coisa da antiga’ (Wilson Moreira/ Ney Lopes, 1977), e Diogo Nogueira, em ‘Juízo final’ (Élcio Soares/ Nelson Cavaquinho, 1975). A baiana poderia estreitar seus laços com a maranhense, de quem costuma visitar o repertório.
Audaciosa, Mariene optou por gravar a assinatura musical de Clara, ‘Guerreira’ (Paulo César Pinheiro/ João Nogueira, 1978), mantendo a letra original, ao contrário do que andou fazendo em shows, quando, ao final, se dizia “a baiana guerreira, filha de Oxum...”. Mantendo o tom lá no alto na maioria dos números, a moça se sai bem quando mostra a suavidade de seu canto em ‘Coração leviano’ (Paulinho da Viola, 1977) e ‘Sem companhia’ (Ivor Lancellotti/ Paulo César Pinheiro, 1980), embora esta última seja prejudicada pelo arranjo que encerra a canção de forma estranha, sem entrega-la de volta à cantora.
As músicas de temática afro-brasileira, como ‘A deusa dos orixás’ (Toninho/ Romildo Bastos, 1975), ‘O mar serenou’ (Candeia, 1975) e ‘Conto de areia’ (Toninho/ Ronildo Bastos, 1974), que aproximam Clara e Mariene, são recriadas com propriedade, assim como ‘Feira de mangaio’ (Gloria Gadelha/ Sivuca, 1979) e ‘Ijexá’ (Edil Pacheco, 1982). Enquanto ‘Canto das três raças’ (Mauro Duarte/ Paulo César Pinheiro, 1976) é revivida de forma mais reverente, ‘Ê, baiana’ (Miguel Pancrácio/ Ênio Santos Ribeiro/ Baianinho/ Fabrício da Silva, 1971) encaixa-se perfeitamente no canto buliçoso da graciosa cantora. O hino azul e branco ‘Portela na avenida’ (Paulo César Pinheiro/ Mauro Duarte, 1981) encerra o espetáculo com andamento acelerado que prejudica a beleza dos versos.
O DVD ainda traz quatro números extraídos de ‘Tambaroinha’, nos quais Mariene se mostra muito mais solta e segura. Ainda que tenha conseguido deixar sua marca em ‘Ser de luz – Uma homenagem a Clara Nunes’, Mariene de Castro não bisa a beleza registrada em ‘Santo de casa’ (2009), seu primeiro DVD. A morena bonita se mostra mais iluminada quando pisa em seu próprio terreiro. 

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