Pular para o conteúdo principal

Diogo Nogueira: o malandro na praça outra vez

Em junho de 2010, Diogo Nogueira subiu ao palco da casa de espetáculos Vivo Rio para registrar seu segundo show, ‘Sou eu’, editado em CD e DVD pela EMI Music. Acostumados a shows cada vez mais grandiosos, os artistas brasileiros incluem outros atrativos em suas apresentações onde a música é o componente principal, mas não o único. O samba não passou incólume ao fenômeno, como podemos constatar em ‘Sou eu’. O grande palco do Vivo Rio não inibiu a produção de Diogo. A ficha técnica do espetáculo já anunciava a preocupação com a qualidade do projeto: direção musical de Alceu Maia, cenários de Hélio Eichbauer, a presença dos bailarinos da Companhia de Dança Carlinhos de Jesus e de Lucinha Nobre e Rogério, porta-bandeira e mestre-sala da Escola de Samba Portela. As recorrentes participações especiais em mais uma gravação ao vivo deram pistas dos caminhos que Diogo poderá seguir para sedimentar sua carreira ainda tão recente. Chico Buarque e Ivan Lins, representantes da linhagem mais cultuada da MPB; a diva da canção popular, Alcione, acostumada a transitar entre os vários nichos da música brasileira, e Hamilton de Holanda, bandolinista magnífico requisitado por nove entre dez artistas.
Na noite de sábado, 21 de novembro, Diogo voltou à casa de shows do Aterro do Flamengo no lançamento da turnê de divulgação do novo trabalho, acompanhado por quatorze músicos e três backing vocals. Uma incômoda sensação instalou-se logo no primeiro número, quando o artista entrou alguns segundos atrasado na introdução de ‘Deus é mais’. O andamento acelerado fez com que banda e cantor imprimissem velocidades diferentes, prejudicando o bom samba assinado pelo líder do Grupo Revelação, Xande de Pilares. Talvez o samba do jovem portelense rendesse mais com menos: a big band é competente, mas parece disputar espaço com o cantor em vários números. Não por acaso, Diogo se sai melhor em momentos mais dolentes como na dobradinha ‘Além do espelho’ e ‘Espelho’, parcerias de João Nogueira e Paulo César Pinheiro, incluídas no bis.
Alçado à fama rapidamente pelo timbre grave herdado do pai, João Nogueira (1941 – 2000), e inegavelmente, por sua estampa, Diogo escora-se na pinta de galã para seduzir a platéia, a ponto de fazer uma das trocas de roupa por trás do cenário, em contra luz, em um recurso usado com mais habilidade e requinte por Ney Matogrosso.
Ao cantar o sucesso de Agepê (1942 – 1995), ‘Deixa eu te amar’, Diogo volta a explicitar sua sensualidade sem, no entanto explorar as possibilidades do samba, como bem fez Simone que, coincidentemente, também gravou o hit radiofônico em seu último CD. (Recentemente a baiana e o carioca foram personagens da crônica musical contemporânea por causa de ‘Sou eu’, parceria de Chico Buarque e Ivan Lins. A música, que seria gravada pro Simone, foi dada ao sambista por Chico que ainda participou da gravação). É notável, porém, o cuidado com o roteiro do show dividido em três atos (o dia ensolarado de praia e futebol, a noite da Lapa e o samba das quadras) que alinha composições de Alexandre Pires (‘Vestibular pra solidão’), Leandro Fregonesi e Ciraninho (‘Amor imperfeito'), Chico Buarque (‘Homenagem ao malandro’), Janet de Almeida e Haroldo Barbosa (‘Pra que discutir com madame’), e sambas de enredo históricos da Portela (‘Contos de areia’),do Império Serrano (‘Aquarela brasileira’) e da União da Ilha do Governador (‘É hoje'). Essa liberdade estética pode causar estranheza aos que procuram identificar no trabalho do filho a raiz do samba encontrada na respeitada produção musical do pai. Diogo reverencia a tradição sem ficar atrelado a ela. Ainda figuram na lista de regravações ‘Pelo amor de Deus’ (Paulo Debétio), a bela ‘Lama das ruas’ (Almir Guineto/ Zeca Pagodinho), a romântica ‘Lembra de mim’ (Ivan Lins/ Vitor Martins) e ‘Malandro é malandro’ (Neguinho da Beija-Flor), além de ‘Me leva’, outra do Agepê. Bom cantor, Diogo ainda pode imprimir sua marca nestes sambas.
Além de obrigatório, o “bis” se impôs como um momento de alegria esfuziante independentemente do roteiro que foi apresentado – como acontece em 99% dos shows nacionais. Isso não explica a inclusão do forró ‘Pedras que cantam’ (Dominguinhos/ Fausto Nilo) em um show pontuado pelo (às vezes diluído) samba. Diogo volta a acertar ao revisitar ‘Vou festejar’ (Jorge Aragão/ Dida/ Noeci), sucesso de Beth Carvalho também bastante "batido", mas coerente com o roteiro. O novo malandro carioca está na esquina outra vez, pronto para percorrer os vários caminhos que cruzam a música popular brasileira. Sua maior malandragem será resistir à tentação do sucesso fácil.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A voz do samba - O primeiro disco de Alcione

  “Quando eu não puder pisar mais na Avenida/ Quando as minhas pernas não puderem aguentar/ Levar meu corpo junto com meu samba/ O meu anel de bamba/ Entrego a quem mereça usar”. Ao lançar seu primeiro disco, ‘A voz do samba’, em 1975, Alcione viu os versos melancólicos de ‘Não deixe o samba morrer’ (Edson Conceição/ Aloísio Silva) ganharem o país, tornando-se o primeiro sucesso da jovem cantora. Radicada no Rio de Janeiro desde 1967, a maranhense cantava em casas noturnas que marcaram época nas noites cariocas. Nestas apresentações, seu abrangente repertório incluía diferentes gêneros da música brasileira, além de canções francesas, italianas e norte-americanas também presentes no rádio. Enquanto isso, o samba conquistava novos espaços na década de 1970. Em 1974, Clara Nunes viu sua carreira firmar-se nacionalmente com o disco ‘Alvorecer’, do sucesso de ‘Conto de areia’ (Romildo Bastos/ Toninho Nascimento). No mesmo ano, Beth Carvalho obteve seu primeiro êxito como sambista com ‘1...

Galeria do Amor 50 anos – Timóteo fora do armário (ou quase)

  Agnaldo Timóteo lançou o disco ‘Galeria do amor’ em 1975. Em pleno regime militar, o ídolo popular, conhecido por sua voz grandiloquente e seu temperamento explosivo, ousou ao compor e cantar a balada sobre “um lugar de emoções diferentes/ Onde a gente que é gente/ Se entende/ Onde pode se amar livremente”. A canção, que se tornaria um sucesso nacional, foi inspirada na famosa Galeria Alaska, antigo ponto de encontro dos homossexuais na Zona Sul carioca – o que passaria despercebido por boa parte de seu público conservador. O mineiro de Caratinga já havia suscitado a temática gay no disco ‘Obrigado, querida’, de 1967. A romântica ‘Meu grito’, feita por Roberto Carlos para a sua futura mulher, Nice, ganhou outras conotações na voz poderosa de Timóteo. “Ai que vontade de gritar seu nome, bem alto no infinito (...), só falo bem baixinho e não conto pra ninguém/ pra ninguém saber seu nome, eu grito só ‘meu bem'”, canta Agnaldo, que nunca assumiria sua suposta homossexualidade. ...

'Se dependesse de mim', um disco com a inconfundível marca de Wilson Simonal

               Lançado em 1972, ‘Se dependesse de mim’ marcou a estreia de Wilson Simonal na gravadora Philips. Ídolo inconteste nos anos 1960, Simonal buscava renovação. Para isso, os produtores Nelson Motta e Roberto Menescal optaram por um repertório essencialmente contemporâneo.             A faixa-título (Ivan Lins/Ronaldo Monteiro de Souza) traz versos simbólicos para o momento vivido por Simonal, como “Quero brisas e nunca vendavais”. O samba ‘Noves fora’ (Belchior/Fagner), gravado por Elis Regina, mas deixado de fora de seu LP de 1972, ganhou versão cheia de suingue de Simonal. ‘Expresso 2222’ (Gilberto Gil) circulava na voz de seu compositor e teve seu segundo registro, cujo arranjo passeia por diferentes ritmos. A melodiosa ‘Irmãos de sol’ (Marcos/Paulo Sérgio Valle) intui futuros dias mais bonitos. Em ‘Maria’ (Francis Hime/Vinicius de Moraes), Simonal revive a canção que defendeu ...