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Série 'Sambabook' reverencia Martinho da Vila


Idealizada e produzida pelo selo Musickeria, a série ‘Sambabook’ chega à segunda edição homenageando Martinho da Vila. Seguindo os moldes do projeto inicial, dedicado a João Nogueira, cantores de gerações e estilos variados dão voz à obra do artista fluminense, em registros lançados nos formatos CD, DVD e Blu-ray, com distribuição da gravadora Som Livre. Também fazem parte do pacote uma discografia comentada e um fichário com 60 partituras. Diferentemente da série ‘Soongbook’, assinada por Almir Chediak (1950 – 2003), o ‘Sambabook’ reza a cartilha da reverência. Assinados por Alceu Maia, os novos arranjos refazem os originais, o que talvez engesse a criatividade dos intérpretes convidados. O resultado é morno, principalmente para quem assiste ao DVD. O registro audiovisual deixa claro que nem todos decoraram as letras, ficando a maior parte do tempo presos à leitura dos versos em um monitor.
Paulinho da Viola consegue imprimir a costumeira elegância em ‘Quem é do mar não enjoa’ (1969), assim como Jair Rodrigues, outro contemporâneo do homenageado, injeta alguma energia a ‘Amor não é brinquedo’ (Martinho da Vila/ Candeia, 1978). Vigor é o que falta às interpretações de Leci Brandão, que mais uma vez gravou ‘Casa de bamba’ (1969), e de Luiz Melodia, inexplicavelmente apagado em ‘Disritmia’ (1974). Apesar de certo ar solene, Moyseis Marques faz bonito em ‘Renascer das cinzas’ (1974), enquanto suas colegas Ana Costa e Dorina defendem ‘Odilê, odilá’ (Martinho da Vila/ João Bosco, 1985) e ‘Filosofia de vida’ (2010) com correção. A vitalidade de Ney Matogrosso salva sua versão para ‘Ex-amor’ (1981) – depois de vê-lo reinventar ‘Roendo as unhas’, de Paulinho da Viola, em seu recente e espetacular show, pode-se imaginar o que ele não faria com o dolente samba de Martinho se não estivesse preso ao conceito musical do projeto. Se Elza Soares não inventa em ‘Madalena do Jucu’ (1989), João Bosco “recebe” Clementina de Jesus e faz bonito no partido ‘Menina moça’ (1967). Diogo Nogueira envereda pelo romantismo de ‘Queria tanto lhe ver’ (Martinho da Vila/ Nelson Rufino, 1991). O percussionista Marcelinho Moreira defende ‘Na minha veia’ (Martinho da Vila/ Zé Catimba), samba gravado com maestria por Simone, em 2009. Aliás, sente-se a falta do canto da Cigarra, que dedicou seu bonito disco de 1996 à obra de Martinho da Vila. As escolhas dos intérpretes e canções nem sempre se mostram eficazes tendendo, em alguns momentos, para a obviedade. Por que escalar uma cantora de tão poucos recursos como Fernanda Abreu para encarar o belíssimo samba de enredo ‘Sonho de um sonho’ (Tião Graúna/ Rodolpho de Souza/ Martinho da Vila, 1980)? Certamente porque Fernanda tem, em sua discografia, uma versão de relativo sucesso de ‘É hoje’, samba de enredo da União da Ilha do Governador em 1982. Outro que se mostra completamente equivocado é Toni Garrido, escalado para cantar ‘Deixa a fumaça entrar’ (Martinho da Vila/ Braço Sem Braço, 1979). O vocalista do grupo Cidade Negra não perde a mania que querer transformar em reggae qualquer canção que lhe caia nas mãos. Por que não deram a faixa para Mariene de Castro, por exemplo? João Donato nada acrescenta a romântica ‘Meu laiá-raiá’ (1970), assim como Paula Lima, a ‘Grande amor’ (1969). Enquanto o grupo Casuarina apresenta insípida interpretação de ‘Pra tudo se acabar na quarta-feira’ (1984), Zeca Baleiro se sai melhor em ‘O pequeno burguês’ (1969). As boas surpresas são Pedro Luís, que demostra evolução vocal em ‘Pra quê dinheiro?’ (1969) e Pitty, afinada e aparentemente confortável em ‘Roda ciranda’ (1984), samba de roda lançado por Alcione em dueto com Maria Bethânia, cantoras que certamente abrilhantariam o projeto. Não por acaso, os representantes da família Ferreira se saem muito bem. Mart’nália põe a habitual – e eficiente – malandragem a serviço de ‘Segure tudo’ (1971), Tunico da Vila aproveita ‘Meu off Rio’ (1994) e Maíra Freitas está graciosa na bonita ‘Fim de reinado’ (1969). Encerrando o DVD, o próprio Martinho da Vila surge dividindo o microfone com os convidados em ‘Canta, canta minha gente’ (1974) para, em seguida, dar voz à belíssima ‘Tom maior’ (1968), acompanhado pela Orquestra Petrobrás Sinfônica. Responsável pela inclusão do partido alto nas paradas de sucesso, criador de um novo formato de samba de enredo, Zé Ferreira mostra que, aos 46 anos de carreira, além de excelente compositor, também é um dos melhores intérpretes de sua própria obra

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