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Joias musicais de Gilberto Gil são reeditadas

            A Universal Music reabre seu baú de preciosidades. Desta vez, a dona do maior acervo musical do país, traz duas joias do cantor, compositor e violonista Gilberto Passos Gil Moreira, recentemente eleito imortal pela Academia Brasileira de Letras. De 1971, o disco londrino, ‘Gilberto Gil’, reaparece em nova edição em vinil, enquanto ‘Refestança’, registro do histórico encontro de Gil e Rita Lee, de 1977, finalmente ganha versão digital.

            Gravado durante o exílio do artista baiano em Londres, o quarto LP de estúdio de Gilberto Gil foi produzido por Ralph Mace para o selo Famous e editado no Brasil pela Philips, atual Universal Music. O produtor inglês também trabalhava com Caetano Veloso, que havia lançado seu primeiro disco de exílio no mesmo ano. Contrastando com a melancolia expressada por Caetano, Gil fez um álbum mais equilibrado, dosando as saudades do Brasil e as experiências vividas na efervescente cena pop da capital britânica.

            Instantâneos musicais daqueles dias, seis das oito canções (cantadas em inglês) eram inéditas, sendo três delas compostas em parceria com o cantor e compositor carioca Jorge Mautner. ‘Volkswagen Blues’, lançada no disco ‘Cérebro eletrônico’, de 1969, que retornou com novos arranjo e letra, e ‘Can’t Find May Way Home’, do cantor e compositor inglês Stevie Winwood, completaram o repertório. O vibrante violão de Gilberto Gil determinou o groove sedutor do disco, que contou ainda com percussão e guitarra elétrica tocados por Gil, e baixo e vocais de Chris Bonett.

            O lado A traz o samba-rock-pop ‘Nêga (Photograph Blues)’, a psicodélica ‘The Three Mushrooms’ (Gil/Mautner) e a roqueira ‘Babylon’, além da já citada ‘Can’t Find My Way Home’, que ganhou outro significado ao ser cantada por um exilado político. A nova versão de ‘Volkswagen Blues’ abre o lado B, seguida da triste balada ‘Mamma’. A seguir, ‘One O’Clock Morning, 21th April 1971’, uma das melhores faixas do disco, com o violão de Gil marcando o passar das horas. A roqueira ‘Crazy Pop Rock’ (Gil/Mautner) encerra o álbum com otimismo: “I Only Gotta Sing Loud, Loud”. Cinco décadas depois, o disco ‘Gilberto Gil’ é mais uma prova da atemporalidade da arte do mestre baiano.


O encontro com Rita Lee



                  

                Já em 1977, Gil e sua comadre Rita Lee fizeram o show ‘Refestança’, que passou por várias capitais brasileiras e resultou em um LP gravado ao vivo, editado pela gravadora Som Livre no mesmo ano. O baiano já havia lançado os discos ‘Refazenda’, em 1975, e ‘Refavela’, no início de 1977, e definiu assim o novo trabalho com a paulistana: “Refestança é um lugar. Em que se cantando dá. Em que se dançando dá. Em que se plantando… só bananeira”. Naqueles tempos sombrios, o negócio era dançar (e cantar) pra não dançar.

            O repertório traz ‘Refestança’, então inédita parceria da dupla, sucessos individuais de cada um deles e de outros artistas, mais o presente de Rita para Gil, a canção ‘Giló’. A bela interpretação de Gil para ‘Ovelha negra’, e a explosiva versão de Rita para ‘Back in Bahia’ são pontos altos do álbum. Além da faixa-título, eles também cantam juntos ‘Odara’ (Caetano Veloso), ‘Domingo no parque’ (revivendo a histórica parceira surgida no III Festival da Record, em 1967) e ‘É proibido fumar’ (Erasmo Carlos/ Roberto Carlos), ótima sacada dos compadres que haviam tido problemas com a polícia no ano anterior por porte de maconha. Gil e Rita ainda apresentam ‘De leve’, versão de ‘Get back’ (Lennon/ McCartney), que viria a ser gravada por Lulu Santos no seu álbum de estreia, em 1982. Curiosamente, duas canções de ‘Refestança’, ‘Eu só quero um xodó’ (Dominguinhos/ Anastácia), que aparecera no lado B do compacto lançado por Gil em 1973, e ‘Arrombou a festa’ (Rita Lee/ Paulo Coelho), que fora incluída no lado A do compacto lançado por Rita & Tutti Frutti em 1976, não fazem parte dos LPs de estúdio dos respectivos artistas.

            Produzido por Guto Graça Mello, ‘Refestança’ também eternizou o encontro das superbandas de Gilberto Gil, a Refavela – Moacir Albuquerque (baixo), Perinho Santana (guitarra), Djalma Correia (percussão), Cidinho Teixeira (teclados), Carlos Alberto Charlegre (bateria) e Lúcia Turnbull (vocal) – e de Rita Lee, a Tutti Frutti – Luís Sérgio Carlini (guitarra), Roberto de Carvalho (teclados), Lee Marcucci (baixo), Sérgio Della Monica (bateria), Wilson Pinto de Oliveira (vocal), e Naila ‘Scorpio’ Mello (percussão). Registro da festiva reunião dos geniais artistas, ‘Refestança’ finalmente ganha o formato digital.

            Oportunamente reeditados pela Universal Music, ‘Gilberto Gil (1971)’ e ‘Refestança (1977)’ são joias da discografia de Gilberto Gil, cuja obra excepcional já está imortalizada.  

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