Pular para o conteúdo principal

DVD 'Batuques do meu lugar' celebra a música agregadora de Arlindo Cruz


Ainda garoto, Arlindo Cruz estreou profissionalmente tocando cavaquinho em um disco do mítico portelense Candeia (1935 – 1978). Mais tarde frequentou as rodas do Cacique de Ramos, de onde o samba saiu repaginado pela introdução do banjo, do repique de mão e do tantã. Durante doze anos integrou o Fundo de Quintal, grupo essencial na manutenção do gênero a partir de meados da década de 1980. Após formar dupla com Sombrinha, com quem lançou bons discos que merecem reedição, ele retomou a carreira solo, gravando seu primeiro DVD, ‘Pagode do Arlindo ao vivo’, em 2003. Ao lado dos amigos Zeca Pagodinho e Beth Carvalho, o sambista interpretou sucessos em um pagode de mesa armado na Barra da Tijuca, relembrando a famosa reunião de bambas organizada por ele em Cascadura, no início dos anos 1980. Com uma extensa lista de clássicos do samba carioca em seu currículo, o compositor viu o intérprete finalmente ser reconhecido a partir de 2007 com o lançamento do CD ‘O sambista perfeito’ (Deck), de ‘Meu lugar’, hino de amor ao bairro de Madureira, feito a quatro mãos com Mauro Diniz. A popularidade fez Arlindo chegar a MTV, onde registrou, em São Paulo, seu segundo DVD, ‘Arlindo Cruz – MTV ao vivo’ (Sony Music), em 2008.
Quatro anos depois, mantendo a notoriedade conquistada, Arlindo Cruz escolheu um dos mais representativos locais da história do samba para gravar seu novo CD/DVD, ‘Batuques do meu lugar’ (Sony Music). Nascedouro do ritmo que se confunde com a própria identidade nacional, palco dos primeiros desfiles das escolas de samba, a Praça Onze é o cenário para os batuques e romances de Arlindo. Em noite salpicada de estrelas como Alcione (‘Quando falo de amor’), Caetano Veloso (‘Na trilha do amor’), Zeca Pagodinho (‘Meu poeta/ Ainda é tempo pra ser feliz’/ ‘Termina aqui’) e Seu Jorge (‘Suingue de samba’), Arlindo celebra o jongo da Serrinha (‘Mãe’), relembra o padrinho musical Candeia (‘Testamento de partideiro’) e mostra novas composições de caráter romântico e religioso como ‘Vai embora tristeza’ e ‘É religião’. Entre outros sucessos, emociona novamente com ‘O bem’ e faz o espectador imaginar Roberto Carlos, que convidou o sambista para participar do seu programa de fim de ano, dando voz ao belíssimo samba de tom ecumênico. A música agregadora de Arlindo não vê barreiras. Intérpretes das mais variadas latitudes reconhecem seu valor. Dos grupos Sorriso Maroto, Revelação e Casuarina ao rapper (cada vez próximo do samba) Marcelo D2, passando por cantoras como Maria Rita, Paula Lima, Aline Calixto e Mariene de Castro. Sua ‘Alto lá’, parceria com Zeca Pagodinho, já esteve no roteiro de shows de Elba Ramalho e Gal Costa.
Com o eterno parceiro Sombrinha, Arlindo saúda Luiz Carlos da Vila (1949 – 2008) revivendo ‘O show tem que continuar’. Representadas pela bateria do Império Serrano, que o acompanha em ‘Você semba lá, que eu sambo cá! O canto livre de Angola’ (Unidos de Vila Isabel) e em ‘Dona Ivone Lara o enredo do meu samba’ (do próprio Império) – sambas de enredo assinados por ele – as escolas de sambas voltam ao palco dos seminais desfiles. No terreiro onde pisaram sambistas primordiais, o imperiano comprova porque é um dos responsáveis pela sustentação do samba como ritmo admirado por diversas gerações. Entre o jongo e o hip hop, entre o partido alto e o pagode romântico, cultivando as raízes e absorvendo naturalmente as inovações ao longo de mais de 30 anos de carreira, Arlindo Cruz sabe que novos ares mantêm acesa a chama da tradição.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A voz do samba - O primeiro disco de Alcione

  “Quando eu não puder pisar mais na Avenida/ Quando as minhas pernas não puderem aguentar/ Levar meu corpo junto com meu samba/ O meu anel de bamba/ Entrego a quem mereça usar”. Ao lançar seu primeiro disco, ‘A voz do samba’, em 1975, Alcione viu os versos melancólicos de ‘Não deixe o samba morrer’ (Edson Conceição/ Aloísio Silva) ganharem o país, tornando-se o primeiro sucesso da jovem cantora. Radicada no Rio de Janeiro desde 1967, a maranhense cantava em casas noturnas que marcaram época nas noites cariocas. Nestas apresentações, seu abrangente repertório incluía diferentes gêneros da música brasileira, além de canções francesas, italianas e norte-americanas também presentes no rádio. Enquanto isso, o samba conquistava novos espaços na década de 1970. Em 1974, Clara Nunes viu sua carreira firmar-se nacionalmente com o disco ‘Alvorecer’, do sucesso de ‘Conto de areia’ (Romildo Bastos/ Toninho Nascimento). No mesmo ano, Beth Carvalho obteve seu primeiro êxito como sambista com ‘1...

Joias musicais de Gilberto Gil são reeditadas

               A Universal Music reabre seu baú de preciosidades. Desta vez, a dona do maior acervo musical do país, traz duas joias do cantor, compositor e violonista Gilberto Passos Gil Moreira, recentemente eleito imortal pela Academia Brasileira de Letras. De 1971, o disco londrino, ‘Gilberto Gil’, reaparece em nova edição em vinil, enquanto ‘Refestança’, registro do histórico encontro de Gil e Rita Lee, de 1977, finalmente ganha versão digital.             Gravado durante o exílio do artista baiano em Londres, o quarto LP de estúdio de Gilberto Gil foi produzido por Ralph Mace para o selo Famous e editado no Brasil pela Philips, atual Universal Music. O produtor inglês também trabalhava com Caetano Veloso, que havia lançado seu primeiro disco de exílio no mesmo ano. Contrastando com a melancolia expressada por Caetano, Gil fez um álbum mais equilibrado, dosando as saudades do Brasil...

Galeria do Amor 50 anos – Timóteo fora do armário (ou quase)

  Agnaldo Timóteo lançou o disco ‘Galeria do amor’ em 1975. Em pleno regime militar, o ídolo popular, conhecido por sua voz grandiloquente e seu temperamento explosivo, ousou ao compor e cantar a balada sobre “um lugar de emoções diferentes/ Onde a gente que é gente/ Se entende/ Onde pode se amar livremente”. A canção, que se tornaria um sucesso nacional, foi inspirada na famosa Galeria Alaska, antigo ponto de encontro dos homossexuais na Zona Sul carioca – o que passaria despercebido por boa parte de seu público conservador. O mineiro de Caratinga já havia suscitado a temática gay no disco ‘Obrigado, querida’, de 1967. A romântica ‘Meu grito’, feita por Roberto Carlos para a sua futura mulher, Nice, ganhou outras conotações na voz poderosa de Timóteo. “Ai que vontade de gritar seu nome, bem alto no infinito (...), só falo bem baixinho e não conto pra ninguém/ pra ninguém saber seu nome, eu grito só ‘meu bem'”, canta Agnaldo, que nunca assumiria sua suposta homossexualidade. ...